Acumulação por militar de dois cargos públicos de médico. Sindicância e Defesa.
Ilustríssimo Senhor
Diretor do Hospital Militar de Área de Porto Alegre-RS,
Ilustríssimo Senhor
Oficial Sindicante.
Sindicância: Instaurada no âmbito do Hospital
Militar de Área de Porto Alegre pela Portaria Nr xx/xx, de 23 de novembro de
2011.
Sindicante: Major ...
Sindicado: Capitão ...
ALEGAÇÕES
FINAIS
Pela Sindicada,
Ilustre
Sindicante,
xxx,
brasileira, solteira, Oficial Médica do Exército Brasileiro, RG nº e CPF nº , residente e domiciliada à ..., Porto Alegre-RS, vem, mui respeitosamente, à presença de V.
Sª., por intermédio de seu bastante procurador, mandato já incluso nos autos,
em decorrência de sua condição de SINDICADA,
apresentar as suas cabíveis e tempestivas ALEGAÇÕES
FINAIS, em conformidade com o disposto no Art. 13 das IG 10-11 (Port Min nº
202, de 26 de abril de 2000), consubstanciado no Princípio Constitucional da
AMPLA DEFESA, nos termos que se seguem:
PRELIMINARMENTE
Trata-se
de sindicância instaurada com a classificação de “reservada”, e, portanto,
adverte a defesa que as informações contidas nos autos, mesmo que parcialmente,
não devem ser divulgadas ou utilizadas por terceiros não autorizados, sob pena
de responsabilidade.
DA SINDICÂNCIA
A ora
sindicada, por ser o alvo da referida sindicância militar, instaurada em face
de requisição do Chefe da 3ª ICFEx, feita
mediante ofício ao Diretor do H Mil A PA para que fosse realizada
averiguação, no âmbito desta OM de Saúde, sobre “acumulação de cargos públicos”
por militares, em seu depoimento afirmou que: acumula dois cargos públicos, um
militar e outro civil; que ambos os cargos são privativos de médico; que os
horários dos dois trabalhos são compatíveis e não há sobreposição de horário;
que não há prejuízo para nenhum dos dois serviços; e que a sua opção pela dupla
jornada encontra amparo constitucional.
Neste
ponto, para evitar repetições desnecessárias, reportamo-nos as razões de Defesa
Prévia contidas nos autos.
Todavia,
não obstante a estranheza causada pela instauração de uma sindicância que, de
praxe, seria de natureza disciplinar, este procedimento administrativo
investigativo tornou-se fonte de algumas preocupações para a ora sindicada, uma
vez que, da leitura da Portaria instauradora, não percebeu com clareza os
contornos de uma acusação da qual deva se defender, e nem o porquê de ter sido
colocada na desconfortável posição de “sindicada”.
Portanto,
porque sempre agiu com boa-fé perante ambas as administrações (militar e
municipal), e não desejando que subsista qualquer dúvida acerca da regularidade
e licitude sobre a sua opção pela acumulação de dois cargos privativos de
médico, e sendo esta a matéria que parece justificar a presente sindicância, a
ora sindicada resolveu fazer-se representar por meio de advogado, para que
assim possa melhor apresentar a sua justificativa técnica.
Ademais,
a própria instrução da presente sindicância mostrou-se bastante resumida,
consistindo na tomada do depoimento pessoal da sindicada, a juntada de sua
defesa prévia e de alguns poucos documentos, nada mais.
Contudo,
uma vez encerrada a instrução sem que fosse produzida qualquer prova em
desfavor da sindicada, não restam quaisquer fatos que mereçam ser considerados e
que possam inferir a necessidade de defesa.
Assim
sendo, a defesa, apenas por cautela, e para colaborar tecnicamente com a investigação
geral instaurada pela Direção do Hospital Militar de Porto Alegre, a fim de
elucidar a principal questão que nos parece, presumidamente, ser o cerne da
questão ora investigada, passa a expor a justificativa da sindicada para a
acumulação de dois cargos públicos.
DA
LICITUDE DA ACUMULAÇÃO DE DOIS CARGOS PÚBLICOS PRIVATIVOS DE MÉDICO
A sindicada
exerce a medicina no Exército Brasileiro desde 1996, quando ingressou em suas fileiras como Oficial
Temporária, passando a condição de militar de carreira em cargo privativo de
médico mediante concurso público realizado em 2000. A sindicada ainda acumula
outro cargo público, junto à administração do município de Porto Alegre, desde
1997, onde também detém o cargo de Médica, resultado do êxito obtido em ambos
os concursos públicos para ingresso nas respectivas carreiras, civil e militar.
Diante
disso, desde logo esclarece a sindicada que o médico militar tem amparo legal
para exercer outra atividade técnico-profissional no meio civil, conforme
artigo 29, parágrafo 3º da Lei n.º 6.880/80, in verbis: “No intuito de
desenvolver a prática profissional, é permitido aos oficiais titulares dos
quadros ou serviços de saúde e de veterinária o exercício de atividade
técnico-profissional no meio civil, desde que tal prática não prejudique o
serviço e não infrinja o disposto neste artigo”.
Enfatiza, ainda,
que os cargos que ocupa tanto no Exército como na Prefeitura Municipal de Porto
Alegre são privativos de médico, ou seja, tanto no órgão militar, como no
civil, é médica, sem que haja qualquer conflito de horários entre os dois
empregos públicos.
A
Constituição Federal, modernamente, admite a acumulação remunerada em algumas
situações. O artigo 37, inciso XVI, permite a acumulação de cargos públicos em
três hipóteses, condicionadas apenas à observância da compatibilidade de
horários e do limite remuneratório constante do inciso XI do mesmo artigo.
De tal
modo, por força das Emendas Constitucionais nº 19/98 e 34/01, permite-se o
desempenho de dois cargos de professor; de um cargo de professor com outro
técnico ou científico; e de dois cargos ou empregos privativos de profissionais
de saúde, com profissões regulamentadas.
Importante
registrar que o texto constitucional original, ou seja, o de 1988, restringia a
acumulação no campo da saúde para os cargos de médico, exclusivamente. Foi a
Emenda Constitucional nº 34, de 13 de dezembro de 2001, que modificou o texto,
trazendo a previsão para “profissionais da saúde”. Agora não apenas os médicos,
mas outros profissionais diretamente vinculados a atividades desse setor e
desde que possuam suas profissões regulamentadas poderão acumular cargos ou empregos
públicos remuneradamente.
Assim
dispõe o Art. 37, Inciso XVI, alínea ‘c’, da Constituição Federal de 1988,
acrescido pela Emenda Constitucional nº 34, de 2001:
“Art. 37. A administração pública
direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
XVI - é vedada a acumulação remunerada
de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários,
observado em qualquer caso o disposto no inciso XI.
c) a de dois cargos ou empregos privativos de
profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;
DOS PRECEDENTES JUDICIAIS
Ademais, já
encontramos inclusive decisões judiciais que reafirmam a licitude na conduta do
médico (não excluindo o militar) que resolve e consegue acumular dois cargos em
sua profissão, face o permissivo legal previsto no Art. 37, inciso XVI, alínea
‘c’, da CF/88, que, como já informado, estendeu a permissão também para os
profissionais da área de saúde.
Do Tribunal
de Contas da União (TCU) trazemos a manifestação do ilustre Ministro Guilherme
Palmeira, em Sessão Plenária de 14/10/2008, ao relatar o processo TC-006.315/2006-6,
acerca de assunto similar ao aqui tratado, afirmando posição favorável em
relação à questão de acumulação de cargo público de médico em carreira militar
com a de médico na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.
E foi a
esse respeito que assim posicionou-se o ilustre Ministro do TCU, in verbis:
“Por analogia ao
presente caso, forçoso afirmar que a admissão do Sr. Augustin Malzac nos quadros
da FUFMS reveste-se dos requisitos necessários à sua legalidade. Penso assim,
por que, além de não haver conflito nos horários entre as duas ocupações
profissionais por ele exercidas, enquadra-se perfeitamente no aludido
entendimento do Supremo Tribunal Federal, de
ser aplicável aos militares na área de saúde o disposto no art. 17, parágrafo
2°, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a saber: “§ 2º - É
assegurado o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de
médico que estejam sendo exercidos por médico militar na administração pública
direta ou indireta”.
Ora, no caso específico
do recorrente, é de uma clareza solar que o cargo que exerce na Universidade é
privativo de médico, inclusive objetivando reforçar esse fato juntou aos
presentes autos manifestação formal da própria instituição de ensino nesse
sentido (Vol. 1 ). Contrário fosse, não seria possível o ingresso mediante um
concurso público que exige como primeiro requisito o título de mestre e,
lógico, para se alcançar tal atributo é necessário, no caso em pauta, ser
médico para assim desenvolver atividades pedagógicas voltadas para a ortopedia,
com especialização em cirurgia da coluna vertebral.
Dessa forma, vejo que
não existe nos autos qualquer fator impeditivo que impossibilite este Pretório
considerar legal o ato de admissão do Sr. Augustin Malzac, mesmo por que as
características ali presentes amoldam-se às exigências constantes do Art. 29, parágrafo
3º da Lei n.º 6.880/80, transcrito no parágrafo 6º precedente.(g. n.)
Do Supremo
Tribunal Federal, também trazemos informação de importante decisão proferida
sobre caso similar, oriundo do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, dando
provimento ao Recurso Extraordinário nº
182811[1],
interposto pela defesa de médicos da Polícia Militar mineira, contra acórdão do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que havia entendido não ser aplicável aos
militares da área de saúde o disposto no art. 17, parágrafo 2º, do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, por serem os militares regidos por
estatuto próprio.
Em seu
voto, o relator, Ministro Gilmar Mendes, citou o RE 212160, que tratou de
matéria análoga, quando o STF decidiu ser lícita a aplicação do artigo 17,
parágrafo 2º, do ADCT, tanto aos profissionais de saúde civis como militares,
assim como não haver impedimento de se interpretar o artigo 142, parágrafo 3º,
inciso III, da CF [que prevê a transferência para a reserva do militar que
aceita cargo público civil] em consonância com o disposto no artigo 17 da ADCT,
sem que o militar tenha de ser transferido para a reserva.
Ao final, o
ilustre Ministro do Supremo Tribunal Federal acabou por concluir, no que foi
acompanhado pelos demais Ministros da Suprema Corte, que 'interpretar o
parágrafo 2º do artigo 17[2].
do ADCT como excludente dos profissionais da área de saúde das carreiras
militares, importaria também estender o mesmo entendimento à alínea ‘c’, inciso
XVI do artigo 37 da Constituição [que permite a acumulação de dois cargos ou
empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas] o
que não se cogita'.
CONCLUSÃO
ANTE O EXPOSTO, forçosa é a conclusão de que a
‘sindicada’ reúne as condições exigidas pela norma constitucional, a
excepcionar a vedação geral ao acúmulo de cargos públicos, não merecendo
qualquer ressalva para a sua conduta e devendo ser respeitada em face da
dignidade como vem exercendo publicamente o seu ofício.
REQUER, portanto, seja publicada solução de
sindicância que declare a regularidade e licitude da conduta da autora ao
acumular dois cargos públicos privativos da área da saúde.
Após, o arquivamento da presente
sindicância.
Nestes Termos,
Pede deferimento.
Porto Alegre, RS, dezembro de 2011.
Maurício Michaelsen
OAB/RS nº 53.005
[1]
EMENTA: Recurso extraordinário. 2. Acumulação de
cargos. Profissionais de saúde. Cargo na área militar e em outras entidades
públicas. Possibilidade. Interpretação do art. 17, § 2o, do ADCT. Precedente.
3. Recurso extraordinário conhecido e provido
(RE 182811, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 30/05/2006, DJ 30-06-2006 PP-00035 EMENT VOL-02239-02 PP-00351 LEXSTF v. 28, n. 331, 2006, p. 222-227)
(RE 182811, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 30/05/2006, DJ 30-06-2006 PP-00035 EMENT VOL-02239-02 PP-00351 LEXSTF v. 28, n. 331, 2006, p. 222-227)
[2]
Art. 17. Os vencimentos, a remuneração, as
vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam
sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos
aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de
direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.
§ 1º - É
assegurado o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de
médico que estejam sendo exercidos por médico militar na administração pública
direta ou indireta.
§ 2º - É
assegurado o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de
profissionais de saúde que estejam sendo exercidos na administração pública
direta ou indireta.
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