Filha de militar excluída indevidamente do FUSEx obtém vitória judicial

A filha de um militar falecido teve negado pedido de reinclusão no Cadastro de Beneficiários da FUSEx.

A filha do militar esteve cadastrada no Fusex desde o ano de 1970, mantendo a condição até o falecimento do militar, quando teria sido reincluída na condição de dependente indireto de sua mãe no ano de 1995. 

Em 2008, pediu exclusão do Fusex por ter obtido emprego remunerado.

Contudo, tendo ficado desempregada e doente, pediu a reinclusão em 2010.

No entanto, foi criado óbice pela administração militar para ser reincluída, por não ostentar a condição de filha inválida, bem como a previsão constante do próprio regulamento, editado em de 30/08/2005, de que os dependentes deveriam ser "incluídos legalmente no CADBEN-FUSEx, até a data de publicação das IG 30-32".

Todavia, a espécie normativa portaria é resultado do poder regulamentar, com natureza secundária, buscando seu fundamento de validade na norma hierarquicamente superior. Extrapolando os limites da lei, o regulamento (portaria) inova no ordenamento jurídico, instalando a chamada "crise da legalidade".

Assim, prevaleceu o direito da autora de ser reincluída e permanecer como beneficiária do plano de saúde que decorre da própria condição de filha e dependente de militar, situação regulada na Lei nº 6.880/80 em seu artigo 50 (a assistência médico-hospitalar para si e seus dependentes...) e parágrafo 2º, III (a filha solteira, desde que não receba remuneração)

Defendeu os interesses da autora o Dr. Maurício Michaelsen.



AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO) Nº xxxxx.38.2014.4.04.7100/RS

AUTORM. M. P.
AUTORA. P. M. P.
RÉUUNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

SENTENÇA

I - Relatório
Trata-se de ação ordinária, com pedido liminar, em que a requerente A. P. M. P., na condição de filha do militar falecido E. G. P., pretende lhe seja autorizado o recadastramento como beneficiária do Fundo de Saúde do Exército (FUSEX), o que teria sido negado pelo Exército em virtude da ausência de previsão pela legislação vigente (IG 30-32 e IR 30-39).
Relatou que era beneficiária do CABDEN FUSEx desde 1970, como dependente do militar E. G. P., falecido em 24/08/1994. Diz que, a partir do falecimento do militar, sua mãe, M. M. P., passou à condição de pensionista e titular do Cadastro de Beneficíários da FUSEx, e a autora A.P. sua dependente indireta, reincluída no referido cadastro no ano de 1995. Disse que no ano de 2008 pediu exclusão da FUSEx em virtude de ter obtido emprego. Contudo, esclareceu que em 2010 ficou desempregada e requereu administrativamente a sua reinclusão no plano de saúde, principalmente porque era portadora de Transtorno Afetivo Bipolar não especificado (CID 10 - F31.9) e necessitava continuar o tratamento médico. Referiu que no ano de 2011 sua mãe requereu perícia no Exército para a constatação de sua invalidez, a qual foi realizada, mas o laudo expedido não constatou a pretendida invalidez. Aduziu que lhe foi comunicado o indeferimento de seu cadastramento na FUSEx sob o fundamento de que a legislação vigente (IG 30-32 e IR 30-39) não ampara o pedido. Sustentou, em síntese, que o ato vai de encontro ao disposto no art. 50 da Lei nº 6.880/80, no art. 6º, inc. I, alínea 'a' da Portaria nº 653, de 30/08/2005 (IG 30-32), e no art. 7º das Instruções Reguladoras para Gerenciamento do Cadastro de Beneficiários do Fundo de Saúde do Exército (IR 30-39).
Deferido o benefício da justiça gratuita e postergado o exame do pedido de antecipação de tutela para após a contestação (evento 3).
Citada, a União apresentou contestação (evento 10), destacando a ausência de representação da autora A. P. M. P..  No mérito, sustentou que o termo "dependentes do militar" previsto no art. 50, § 2º, da Lei nº 6.880/80, é diverso do termo "beneficiárias da FUSEx", definidos  nos artigos 3º, 4º, e 5º da Portaria nº 653, de 30/08/2005, do Comandante do Exército, que aprova as Instruções Gerais para o Fundo de Saúde do Exército (IG 30-32). Asseverou que a letra ‘e’ do inciso IV do art. 50 da Lei nº 6.880/80 impõe condições e/ou limitações à assistência médico-hospitalar para os militares e seus dependentes, por intermédio de regulamentação específica. Aduziu que, em perícia realizada no Hospital Militar de Porto Alegre, foi constatado que a autora A. P. é portadora de “Transtorno afetivo bipolar não especificado (clinicamente compensada. Não é alienação mental)”, com o parecer: não é inválido(a)". Destacou que a perícia concluiu que a autora possuiria capacidade laborativa, mantendo o tratamento indicado. Pugnou, assim, pela improcedência da demanda. 
Instada pelo juízo, a autora A. P. M. P. regularizou sua representação processual e juntou documentos (evento 15).
Foi deferida a antecipação de tutela para determinar à parte-ré que possibilitasse o recadastramento da autora, na condição de beneficiária do FUSEx, fixando-lhe o prazo de 30 dias para o ato (evento 17).
A União juntou comprovante de cumprimento da antecipação de tutela e se manifestou sobre os documentos juntados (evento 25).
Vieram os autos conclusos para sentença.
II - Fundamentação
Por ocasião da análise do pedido de liminar, foi proferida a seguinte decisão, verbis:
O instituto da tutela antecipada prevista no art. 273 do CPC, com a redação dada pela Lei n° 8.952/94, exige, para sua concessão, a prova inequívoca do fato, o convencimento do juízo quanto à verossimilhança da alegação (pressupostos sempre concorrentes), bem como a caracterização de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou ainda abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu (pressupostos alternativos).
No caso em apreço, informa a autora Ana Paula Motta Pinheiro que desde o falecimento de seu pai, ocorrido em 24/08/1994, foi reincluída como dependente indireta de sua mãe, a autora Marisa Motta Pinheiro, até sua exclusão em 24/07/1999 (evento 1, PROCADM8). 
O direito da autora de ser reincluída e permanecer como beneficiária do plano de saúde discutido decorre da própria condição de filha e dependente de militar, situação regulada na Lei nº 6.880/80 (grifei):
Art. 50. São direitos dos militares:
IV - nas condições ou nas limitações impostas na legislação e regulamentação específicas:
e) a assistência médico-hospitalar para si e seus dependentes, assim entendida como o conjunto de atividades relacionadas com a prevenção, conservação ou recuperação da saúde, abrangendo serviços profissionais médicos, farmacêuticos e odontológicos, bem como o fornecimento, a aplicação de meios e os cuidados e demais atos médicos e paramédicos necessários;
§ 2° São considerados dependentes do militar:
(...)
III - a filha solteira, desde que não receba remuneração;
Por seu turno, a Portaria nº 653, de 30/08/2005, que aprova as Instruções Gerais para o Fundo de Saúde do Exército - FUSEX (IG 30-32), em seu art. 6º, I, "d", disciplinou de forma um tanto diversa a condição da filha dependente, estabelecendo limite etário, nos seguintes termos:
Art. 3º Para os efeitos destas IG, define-se:
(...)
II - beneficiários do FUSEx - são os(as) militares do Exército, na ativa ou na inatividade, as(os) pensionistas, que são contribuintes do FUSEx, bem como os seus dependentes instituídos, de acordo com os arts. 4º, 5º e 6º destas IG, como também os incluídos legalmente com base em IG anteriores;
(...)
VIII - dependência econômica - para fins de cadastramento no FUSEx, é a situação em que uma pessoa vive às expensas de um(a) contribuinte, em razão da inexistência ou insuficiência de rendimentos para o sustento próprio, sendo que, para efeito de cadastramento no CADBEN/FUSEx, a dependência econômica fica configurada quando o valor máximo dos rendimentos auferidos pelo dependente não ultrapassar o valor do soldo do soldado do Efetivo Variável;
Art. 5º   São considerados beneficiários diretos do FUSEx, os seguintes dependentes dos beneficiários titulares listados no art.4º:
(...)
II - filho(a) solteiro(a), até vinte e um anos ou, se estudante, até vinte e quatro anos, desde que, em ambos os casos, não constitua união estável e viva sob dependência econômica de militar ou pensionista;
Contudo, dispõe o art. 6º do mesmo ato normativo:
Art. 6º São considerados beneficiários indiretos do FUSEx, os seguintes dependentes:
I - desde que incluídos legalmente no CADBEN-FUSEx, até a data de publicação destas IG, obedecidas as condicionantes vigentes à época da inclusão:
a) filha solteira maior de vinte e quatro anos, desde que o valor máximo dos rendimentos auferidos pelo dependente não atingir o valor do soldo do soldado engajado, enquanto não constituir qualquer união estável e viver sob sua dependência econômica;
b) filho solteiro, maior de vinte e um anos de idade e não estudante, desde que o valor máximo dos rendimentos auferidos pelo dependente não atingir o valor do soldo do soldado engajado, enquanto não constituir qualquer união estável e viver sob sua dependência econômica;
II - os constantes das alíneas "b", "c", "e", "f", "g" e "h" do § 3º, do art. 50, do Estatuto dos Militares (E1), desde que incluídos, legalmente, no CADBEN-FUSEx até 29 de setembro de 1995, obedecidas as condicionantes vigentes à época da inclusão.
Parágrafo único. O(A) titular somente poderá ter no cadastro de beneficiários do FUSEx um cônjuge ou companheira(o).
Da mesma forma, a Portaria nº 049-DGP, DE 28 de fevereiro de 2008, que aprova as Instruções Reguladoras para o Gerenciamento do Cadastro de Beneficiários do FUSEx (IR 30-39), dispõe:
Art. 7º Os beneficiários do FUSEx são os constantes dos arts. 4º, 5º, 6º e 7º das IG 30-32.
§ 1º Com base no estabelecido no inciso II do art. 3º e inciso I do art. 6º das IG 30-323, são também considerados beneficiários indiretos, desde que incluídos legalmente no CADBEN FUSEx, até a data de publicação daquelas IG, obedecidas as condicionantes vigentes à época da inclusão:
a) a filha solteira maior de vinte e quatro anos de idade, viúva, separada judicialmente ou divorciada, sem pensão alimentícia, enquanto não constituir qualquer união estável ou casar-se e viver, comprovadamente, sob dependência econômica do beneficiário titular;
Nota-se desta forma que, em princípio, faz jus a autora ao cadastramento junto à FUSEX na condição de dependente, pois assim cadastrada desde o ano de 1970, mantendo a indigitada condição até o falecimento do militar, quando teria sido reincluída na condição de dependente indireto de sua mãe no ano de 1995. No entanto, o óbice para ser reincluída seria, além de não ostentar a condição de filha inválida, a previsão constante do próprio regulamento, editado em de 30/08/2005, de que os dependentes deveriam ser "incluídos legalmente no CADBEN-FUSEx, até a data de publicação destas IG", ocasião em que a autora já estava excluída por manter vínculo de emprego. Nota-se que há a informação do próprio Exército de que a autora estaria excluída desde 24/07/1999 (evento 1, PROCADM8).
De qualquer sorte, a espécie normativa portaria é resultado do poder regulamentar, com natureza secundária, buscando seu fundamento de validade na norma hierarquicamente superior. Extrapolando os limites da lei, o regulamento (portaria) inova no ordenamento jurídico, instalando a chamada "crise da legalidade". Nesse sentido, precedente do STF:
ADIN - SISTEMA NACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR (SNDC) - DECRETO FEDERAL N. 861/93 - CONFLITO DE LEGALIDADE - LIMITES DO PODER REGULAMENTAR - AÇÃO DIRETA NÃO CONHECIDA. - Se a interpretação administrativa da lei, que vier a consubstanciar-se em decreto executivo, divergir do sentido e do conteudo da norma legal que o ato secundario pretendeu regulamentar, quer porque tenha este se projetado ultra legem, quer porque tenha permanecido citra legem, quer, ainda, porque tenha investido contra legem, a questão caracterizara, sempre, tipica crise de legalidade, e não de inconstitucionalidade, a inviabilizar, em consequencia, a utilização do mecanismo processual da fiscalização normativa abstrata. - O eventual extravasamento, pelo ato regulamentar, dos limites a que materialmente deve estar adstrito podera configurar insubordinação executiva aos comandos da lei. Mesmo que, a partir desse vício jurídico, se possa vislumbrar, num desdobramento ulterior, uma potencial violação da Carta Magna, ainda assim estar-se-a em face de uma situação de inconstitucionalidade reflexa ou obliqua, cuja apreciação não se revela possivel em sede jurisdicional concentrada. (ADI 996 MC, rel. min. Celso De Mello, Tribunal Pleno, DJ de 06.05.1994)
Na hipótese versada, resta evidente que as Portarias nº 653, de 30/08/2005, e nº 049-DGP, de 28/02/2008, em tese apenas encarregadas de regulamentar a lei, acabam por afastar a condição de beneficiária do militar ou pensionista e sua filha, quando presente a condição de dependência, como parece ser o caso dos autos. Com efeito, a autora demonstra que, embora tenha mantido vínculos de emprego, foram constituídos por curtos períodos. Tal situação é confirmada em consulta ao CNIS - Cadastro Nacional de Informações Sociais, que dão conta que, mesmo em situação de contribuinte individual, sua remuneração era pequena e não atingia o valor do soldo do soldado engajado (art. 6º, inc. I, alínea 'a', IG 30-32). Da referida consulta se constata que atualmente não conta com qualquer remuneração. A referida consulta deverá ser juntada aos autos após esta decisão. 
Logo, faz jus à autora ao recadastramento pretendido, mostrando-se imprópria a rejeição do pedido, mesmo não sendo considerada inválida, pois demonstrada a dependência econômica de sua mãe, já que não recebe remuneração atualmente.
Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. MILITAR. FUSEX. QUALIDADE DE DEPENDENTE. FILHA MAIOR. PORTARIA 653/2005. LIMITE REGULAMENTADOR. DESBORDAMENTO. REINCLUSÃO. 1. A Portaria 653, de 30/08/2005, que trata das Instruções Gerais para o Fundo de Saúde do Exército restringiu o conceito de filha solteira para aquela com idade até vinte e um anos ou, se estudante, até vinte e quatro anos, desde que não constitua união estável e viva sob a dependência econômica do militar. 2. Ao assim estabelecer, desbordou dos limites de sua função regulamentadora, estabelecendo parâmetros cuja disciplina estava afeta à lei em sentido formal, uma vez que restringiu direitos dos militares e seus dependentes sem autorização para tal. 3. O ato normativo em tela não se bastou à sua tarefa disciplinadora, ingressando no campo da disposição acerca do limite etário dos beneficiárias, incumbência que a Lei nº 6.880/80 não delegou ao referido regulamento, norma secundária de eficácia limitada, que não possui o condão de adentrar em tal seara sem a devida concessão legal. 4. Tendo a Lei n. 6880/80 considerado no parágrafo segundo do art. 50 que é dependente do militar a filha solteira, desde que não receba remuneração, e garantido a esta o direito de assistência médico-hospitalar conforme a alínea e, inciso IV do mesmo artigo, tem a autora direito à reinclusão no FUSEX, uma vez que preenche os requisitos previstos no Estatuto dos Militares. (TRF4, AC 2005.71.00.036015-8, Terceira Turma, Relator Fernando Quadros da Silva, DJ 8/09/2011)
Estabelecida a verossimilhança, há que se reconhecer que risco de dano irreparável ou de difícil reparação igualmente se faz presente, pois decorre da própria natureza do direito discutido, direito à saúde e à assistência médico-hospitalar.
Ante o exposto, defiro a antecipação de tutela para determinar à parte ré que possibilite o recadastramento da autora Ana Paula Motta Pinheiro, na condição de beneficiária do FUSEx, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias para o ato.
Desta forma, não havendo novas razões a acrescentar, adoto os fundamentos acima transcritos para confirmar a liminar concedida. Saliento que as insurgências com relação aos documentos juntados pela autora aduzidas pela União no evento 25 não abalam o entendimento colocado na decisão inicial, na qual tais documentos já foram analisados, especialmente a informação do CNIS no evento 18.
III - Dispositivo
Ante o exposto, torno definitiva a antecipação de tutela e julgo procedente a presente ação, a fim de que seja possibilitado o recadastramento da autora como beneficiária do FUSEx,  o que já foi cumprido neste feito (evento 25), com base no art. 269, inc. I, do CPC.
Custas pela parte-ré, anotando sua isenção. Condeno a parte-ré ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo em R$1.000,00 (um mil reais), corrigidos pelo IPCA-E, com fundamento no art. 20, § 4º, do CPC, considerando o valor da causa, a ausência de produção de prova testemunhal e pericial e a simplicidade do trabalho exigido.
Publicação e registro pelo sistema eletrônico. Intimem-se.
Eventuais apelações interpostas pelas partes serão recebidas no efeito devolutivo (art. 520, VII, do CPC), cabendo à Secretaria abrir vista à parte contrária para contrarrazões e, na sequência, remeter os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Feito sujeito a reexame necessário.



Documento eletrônico assinado por MARCIANE BONZANINI, Juíza Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 710001215887v7 e do código CRC acfa9974.

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