Dependente de militar excluído do FUSEx obtém sua reinclusão como beneficiário



O ato administrativo não pode restringir ou ampliar direitos previstos em lei, pois o poder regulamentar não pode ir além das diretrizes estabelecidas em lei. Por esse motivo, foi declarada ilegal a alínea 'c' da Portaria 653/2005 (IG 30-32) e reincluído como beneficiário do Fusex dependente excluído indevidamente.





AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO) Nº 5031871-63.2014.404.7100/RS

AUTOR
MARCILIO ROBERTO NAUJORKS
MOACIR DOS SANTOS NAUGORKS
ADVOGADO
MAURÍCIO MICHAELSEN
RÉU
UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

SENTENÇA

I - RELATÓRIO

Trata-se de ação de rito ordinário, com pedido de antecipação de tutela, por meio da qual os autores buscam a reinclusão no Fusex - fundo de saúde do exército do autor Marcílio Roberto Naujorks.

Narrou a inicial que autor Marcílio Roberto Naujorks e sua esposa foram incluídos como dependentes legais do seu filho em 15/05/1997, o autor Moacir dos Santos Naujorks, no cadastro de beneficiários do Fusex (Fundo de Saúde do Exército), conforme publicado no Boletim Interno nº 091 de 15/05/1997. Disseram os autores que, em 2013, foi dado início a processo de recadastramento do dependente, com a instauração de sindicância para averiguação da condição de beneficiário do plano, o que culminou no indeferimento do pedido de recadastramento, e consequente exclusão do primeiro autor do FUSEx a partir de 17.01.2014. Relataram que a negativa foi baseada em norma expedida pelo Departamento-Geral de Pessoal do Exército, segundo a qual o dependente do militar, para fazer jus à inclusão no FUSEx, além de preencher os requisitos legais, deve possuir rendimentos inferiores à remuneração bruta de soldado engajado. Alegaram, entretanto, que a manutenção da condição de dependente do autor Marcílio no plano de assistência à saúde referido encontra amparo no Estatuto dos Militares (Lei nº 6.880/1980), e que, tendo a exclusão sido baseada em norma infralegal, não deve subsistir. Mencionaram, ainda, que o autor Marcílio necessita de cuidados de saúde permanentes e de diversos medicamentos, e que seu filho não possui condições de arcar com todas as despesas, que incluem fisioterapia, procedimentos médicos e exames laboratoriais. Assim, postularam a reinclusão do autor como beneficiário no sistema CADBEN FUSEX do Exército Brasileiro, na condição de dependente do autor Moacir.

Foi deferido o benefício da gratuidade de justiça aos autores, sendo postergada a análise da antecipação de tutela para após a manifestação da parte ré (evento 4).

O pleito antecipatório foi deferido (evento 15).

Em contestação (evento 29), a União sustentou que, conforme o processo administrativo instaurado, o autor apresentou documentos que não fornecem dados para comprovar a dependência econômica, uma vez que o autor Marcílio não reside junto com seu filho, bem como seus rendimentos ultrapassam os valores do soldo de soldado engajado. Dessa forma, não preenche os requisitos de beneficiário do fusex.

Os autores apresentaram réplica (evento 34).

É o relatório.

II - FUNDAMENTAÇÃO

Cinge-se a controvérsia a decidir se o autor Marcílio Roberto Naujorks tem direito a sua reinclusão como beneficiário do fusex, na condição de dependente do autor Moacir dos Santos Naujorks (seu filho).

Conforme analisado por ocasião do deferimento do pedido de antecipação de tutela:

'O autor Marcílio Naujorks foi excluído do FUSEx em decisão do Comando da 3ª Região Militar da qual constou o seguinte (Evento 1, Procadm15, p.13):

De acordo com o que está contido no inciso III do art. 20º das Instruções Reguladoras para o Gerenciamento do Cadastro de Beneficiários do Fundo de Saúde do Exército (IR 30-39), não seja MARCÍLIO ROBERTO NAUJORKS - pai viúvo - recadastrado no CABDEN FUSEx, como beneficiário dependente do 2º Ten R/1 MOACIR DOS SANTOS NAUJORKS.

A norma que fundamentou essa decisão foi veiculada na Portaria DGP nº 49, de 28.02.2008, e assim dispõe no que interessa ao caso dos autos:

Art. 20. Para efeito de recadastramento como beneficiário direto ou indireto do FUSEx, só poderá ser considerado dependente econômico do titular aquele que, além de preencher os requisitos legais, atender, comprovadamente, as seguintes regras:

(...)

III - auferir rendimentos de até a remuneração bruta de soldado engajado, para os incluídos na vigência da Portaria Ministerial nº 859, de 22 de outubro de 1997 até a publicação da Portaria Cmt Ex nº 758, de 19 de dezembro de 2002;

(...).

Parágrafo único. O atendimento desses requisitos, para o dependente indireto, deverá ser comprovado por meio de sindicância.

Art. 21. Para o recadastramento dos beneficiários dependentes previstos no art. 6º das IG 30-32, por ocasião da proximidade do vencimento ou do efetivo vencimento do cartão FUSEx, deverá ser verificado, após solicitação do titular, por meio de sindicância, se permanecem válidos os requisitos que ampararam a inclusão dos mesmos. (grifou-se)

O primeiro autor é pai do militar do Exército (segundo autor), e seu dependente desde 15.05.1997 (Evento 1, Out10), tendo sido incluído no FUSEx antes de 10.09.1997, segundo declaração dessa data constante nesse mesmo documento. Não constam os requisitos que ampararam a inclusão, ou o fundamento que a embasou, e a União, intimada para se manifestar sobre o pedido incidental, poderia tê-los declinado, o que não fez, como relatado.

Além disso, a norma que determinou a exclusão do autor do FUSEx (art. 20, III, da Portaria DGP nº 49, de 28.02.2008), se aplica 'aos incluídos na vigência da Portaria Ministerial nº 859, de 22 de outubro de 1997 até a publicação da Portaria Cmt Ex nº 758, de 19 de dezembro de 2002' (grifou-se). Todavia, o demandante já se encontrava inscrito como beneficiário do FUSEx desde antes de setembro de 1997, e, portanto, antes da vigência do ato normativo mencionado na norma de exclusão. E pela literalidade desse dispositivo, diga-se de passagem utilizado como único fundamento para a negativa de recadastramento, não é o caso de aplicá-lo ao caso do autor.

Por outro lado, este Juízo não pode ignorar o fato de que o autor permaneceu por quase dezessete anos (desde maio de 1997) como beneficiário do FUSEx, e que, neste ano, contando com 87 anos de idade - e, portanto, quando mais serão necessários os serviços de saúde -, foi excluído pelo fato de seus rendimentos ultrapassarem o valor do soldo de soldado engajado, conforme regramento infralegal antes visto.

Além disso, não foi afastada a condição de dependente constituída em 1997; ficou reconhecido que o militar contribui para o sustento e para a manutenção da saúde de seu genitor; e que, ao tempo da sindicância, este residia em Porto Alegre, na casa de seu filho (Evento 1, Procadm15), circunstâncias essas que não foram levadas em consideração na revogação do benefício.

Observo também que o soldo de soldado engajado, utilizado como limite para a manutenção do demandante no FUSEx, monta R$ 1.053,00, segundo informação acostada aos autos da sindicância de recadastramento (Evento 1, Procadm5, p.10). O autor Marcílio recebia, à época da averiguação, rendimentos no valor de R$ 1.889,40 (R$ 1.211,40 como inativo do Município de Rio Pardo-RS e R$ 678,00 a título de pensão por morte previdenciária, cf. Evento 1, Procadm14), que ultrapassam em R$ 836,40 o soldo de soldado engajado, e que, dada a sua idade avançada e gastos com saúde, fortalece a conclusão de dependência do seu filho e a necessidade de manutenção como beneficiário do fundo de saúde.'

Alegou a União, em contestação, o disposto pela Portaria 653/05 (IG 30-32), do Comandante do Exército:

Art. 6º. São considerados beneficiários do FUSEx os seguintes dependentes:

I - desde que incluídos legalmente no CADBEN-FUSEx, até a data de publicação destas IG, obedecidas as condicionantes vigentes à época as inclusão:
..........

c) pais, desde que, comprovadamente, vivam sob sua dependência econômica e quando o valor máximo dos rendimentos auferidos pelo dependente não atingir o valor do soldo do soldado engajado.

Todavia, observa-se que a Portaria 653/2005, ao contrário da Lei 6.880/80, estabelece limite máximo aos rendimentos auferidos pelo dependente para fins de consideração dos pais como beneficiários. Assim a limitação imposta excede os limites previstos pela lei de regência.

Com efeito, a Lei nº 6.880/80 estabelece como direito dos militares e de seus dependentes a assistência médico-hospitalar, mas não impõe a referida limitação:

Art. 50. São direitos dos militares:
(...)
§ 3º São, ainda, considerados dependentes do militar, desde que vivam sob sua dependência econômica, sob o mesmo teto, e quando expressamente declarados na organização militar competente:
(...)
c) os avós e os pais, quando inválidos ou interditos, e respectivos cônjuges, estes desde que não recebam remuneração;

É consabido que um ato infralegal não pode restringir ou ampliar direitos previstos em lei, pois o poder regulamentar não pode ir além das diretrizes estabelecidas em lei. Por esse motivo, declaro ilegal a alínea 'c' da Portaria 653/2005, no ponto.

Amparando tal entendimento, a jurisprudência do TRF da 4ª Região:

ADMINISTRATIVO. MILITAR. DEPENDÊNCIA. ENTEADA MENOR COMO BENEFICIÁRIA. COMPROVAÇÃO. PORTARIA Nº 653/2005. LEI Nº 6.880/1980. O regrar das Portarias não alcança patamar suficiente a aumentar ou diminuir comando ditado em lei propriamente dita, in casu, no Estatuto dos Militares, Lei 6.880/1980. Evidenciada a dependência econômica e a menoridade da filha da esposa do militar, é de ser considerada beneficiária do Plano de Saúde do Exército, como enteada sob a guarda do cônjuge. (TRF4, AC 2006.71.05.009464-1, Quarta Turma, Relator Alexandre Gonçalves Lippel, D.E. 08/06/2009)

Registre-se que a dependência econômica do autor Marcílio em relação ao autor Moacir restou suficientemente comprovada nos autos, conforme os documentos colacionados ao processo pelos autores (1-COMP19, 1-COMP18 e 1-OUT9).

Igualmente, foram juntados aos autos documentos que demonstram que o autor Marcílio padece de diversas patologias graves, sendo possível inferir ser o mesmo inválido para o trabalho (1-ATESTMED16 e 1-ATESTMED17), especialmente por já se tratar de pessoa idosa, que conta com 87 anos. No ponto, cumpre registrar que a União não questionou a existência ou não da alegada qualidade de inválido do autor, nem impugnou qualquer um dos documentos trazidos aos autos.

Outrossim, a parte ré sustentou que o autor Marcílio não residia junto com seu filho, requisito igualmente necessário ao reconhecimento da qualidade de beneficiário do fusex. Entretanto, em que pese constar tal exigência expressamente na lei de regência, o entendimento jurisprudencial é no sentido de que a residência sob o mesmo teto na pode ser considerada como fator restritivo do direito dos dependentes do militar para fins de inclusão junto ao fusex:

'(...) 3. A residência sob o mesmo teto não pode ser entendida como fator restritivo ao direito dos dependentes do militar para sua inclusão junto à FUSEX. Precedente jurisprudencial. (TRF4; AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2007.04.00.030052-0/RS; RELATOR : Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON; D.E.02/5/2008)' Ante o exposto, com fulcro no art. 37, §1º, II, do Regimento Interno da Corte, nego seguimento à apelação da União Federal. Intime-se. Publique-se. (TRF4, AC 5000705-29.2013.404.7106, Terceira Turma, Relator Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, juntado aos autos em 11/11/2013)'

Por fim, repise-se que o autor Marcílio foi incluído como beneficiário do fusex desde o ano de 1997 (1-OUT10), ou seja, permaneceu beneficiário por quase 17 anos e que, quando contava com 87 anos de idade - e, portanto, quando mais precisava dos serviços de saúde -, foi excluído do plano de saúde pelo fato de seus rendimentos passarem a ser considerados (antes não eram) como excedentes ao valor permitido: soldo de soldado engajado. Todavia, esse regramento previsto pela portaria é ilegal, conforme anteriormente já analisado, porque extrapola os ditames da lei de regência.

Dessa forma, pelas razões já expostas e em homenagem aos princípios da razoabilidade, da legalidade e da hierarquia das leis, a procedência da demanda, no ponto, é medida que se impõe.

Por fim, no tocante ao pleito de ressarcimento das despesas médicas e tratamentos hospitalares que o autor Moacir teve que arcar em relação ao autor Marcílio, seu pai, merece acolhida, em parte.

Isso porque devem ser ressarcidas apenas as despesas posteriores à exclusão do autor Marcílio do fusex, em 09/01/2014 (1-PROCADM15, fl. 12). Assim, o autor Moacir faz jus ao recebimento do valor correspondente a R$ 759,90 (1-COMP18).

O aparelho auditivo foi adquirido em 04/10/2012 (1-COMP19), ou seja, antes da exclusão do seu pai do fusex, razão pela qual o autor não faz jus à indenização de seus valores.

III - DISPOSITIVO

Ante o exposto, torno definitiva a decisão que antecipou os efeitos da tutela (15-DECLIM1) e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, a fim de ANULAR o ato administrativo que determinou a exclusão do autor como beneficiário do Fusex e DECLARAR o direito do autor Marcílio Roberto Naujorks a ser reincluído no Fusex como beneficiário de Moacir dos Santos Naujorks. Determino a CONDENAÇÃO da ré ao pagamento de indenização ao autor Moacir dos Santos Naujorks no valor de R$ 759,90, referente aos gastos com despesas médicas pela exclusão indevida do autor Moacir do Fusex.

Condeno a União ao pagamento de honorários advocatícios ao procurador da parte autora, que fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), atualizados desde a data desta sentença, pelo IPCA-E. Para tanto, considerei que a fixação em percentual sobre o valor da causa resultaria em valor baixo demais.

Publique-se, registre-se e intimem-se.

Havendo recurso(s), tenha(m)-se-o(s) por recebido(s) em seus efeitos legais, salvo na hipótese de não preenchimento dos requisitos de admissibilidade, o que, caso ocorra, deverá ser certificado pela Secretaria. Intime(m)-se a(s) parte(s) contrária(s) para apresentação de contrarrazões, no prazo legal. Após, remetam-se os autos ao TRF da 4ª Região.

Transitada em julgado esta sentença, e nada sendo requerido no prazo de 15 (quinze) dias, dê-se baixa nos autos.

Porto Alegre, 14 de janeiro de 2015.


Francisco Donizete Gomes
Juiz Federal Titular

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