União é condenada a pagar indenização de R$100.000,00 por erro médico que deixou militar cego
Jurisprudência: Soldado de Uruguaiana/RS é reformado e receberá indenização por dano moral por erro médico
TRF4 - APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0000868-16.2007.404.7103/RS
ADMINISTRATIVO. MILITAR. CEGUEIRA - INVALIDEZ - REFORMA - POSSIBILIDADE. DANO MORAL - CABÍVEL.
1. O militar
faz jus à reforma, com remuneração embasada no soldo do grau
hierárquico acima ao que se encontrava na ativa, tendo em vista a
eclosão de enfermidade que torna o militar inválido, ainda mais quando essa invalidez é constatada em documento próprio da Administração Militar.
2. Cabível indenização por dano moral em caso de cometimento de erro médico por agente da Administração Militar
por serem distintos os fundamentos do dever de indenizar e do de
reintegrar/reformar. A indenização se destina a compensar a perda ou
redução da capacidade laboral.
VOTO
A Lei nº 6.880/80, Estatuto dos Militares, que regula a matéria posta nos presentes autos, assim dispõe:
Art. 106. A reforma ex officio será aplicada ao militar que:
...
II - for julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas;
...
Art. 108. A incapacidade definitiva pode sobrevir em conseqüência de:
...
V - tuberculose ativa, alienação mental, neoplasia maligna, cegueira,
lepra, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, mal
de Parkinson, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave
e outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da
medicina especializada; e
Resta,
portanto, verificar a existência de moléstia incapacitante para
atividade laborativa, bem como o período em que ela se originou. O
autor incorporou às Forças Armadas em março/06 e foi desincorporado em
30/3/07 (fl. 63).
O autor alega que adquiriu glaucoma devido a erro de médico da Administração Militar que lhe prescreveu o medicamento Maxitrol por tempo indeterminado (fl. 25).
Foi realizada perícia judicial (fls. 215/216 e 235-239) que concluiu que:
- o autor é portador de glaucoma primário de ângulo aberto;
- não há possibilidade de recuperação da visão do autor;
-
o autor está com capacidade laborativa limitada devido a perda visual.
Tem limitação para atividades que exijam visão binocular e plena;
- o autor está incapacitado totalmente para o serviço militar;
- o autor tem perda visual no olho direito e dificuldade na visão do olho esquerdo;
- o início da perda visual foi entre 30/6 e 11/9/06, durante o serviço militar;
-
o uso do colírio Maxitrol de 30/6 a 11/9/06 foi tempo muito longo para
uma medicação que contém em sua fórmula corticosteróide, o que fez
aumentar a Pressão Intra-Ocular do autor. Pelo tempo de uso da
medicação, a mesma foi inadequada;
- as consequências da doença adquirida abalaram psicologicamente o autor (fato corroborado em documento do Hospital Militar de Alegrete à fl. 64).
O laudo ainda esclarece (fl. 236 e 239):
"A
Perda Visual do Paciente deve a presença de Doença Ocular progressiva,
na qual há aumento da Pressão Intra-Ocular, levando a perda da função
visual, o que acarreta a perda da Visão de forma irreversível.
...
Pelos
dados contidos no processo, o Paciente foi investigado consultando com
Oftalmologista, sendo que nesta oportunidade sua Pressão Intra-Ocular
estava em valores considerados dentro da normalidade, antes do uso do
Maxitrol Colírio, não tendo outros sinais e sintomas referentes a
presença de Glaucoma.
Pelos
relatos e achados Clínicos no Paciente o mesmo teve seu aumento de
Pressão Intra-Ocular pelo uso prolongado do Maxitrol Colírio, com uma
provável predisposição ocular para o aumento desta pressão, levando ao
desenvolvimento de Doença Glaucomatosa."
Verifico que a própria Administração Militar
considerou que o autor já se encontrava cego do olho esquerdo e com
glaucoma secundário a drogas (colírio de corticóide) em inspeção de
saúde à data de 10/10/06 (fl. 27) e novamente em 31/01/07 (fl. 59).
Em
termo de inquirição de testemunha em sindicância, o 2º Tenente Médico
Frederico Pereira Egres, que tratou do autor após o surgimento do
glaucoma, afirma que no caso do autor "o exame oftalmológico não demonstrou outras causas de glaucoma e por exclusão atribui-se o glaucoma ao corticóide" (fl. 41). Nessa mesma sindicância, a conclusão foi de que:
"l) a utilização prolongada do colírio "Maxitrol" pelo Sd EV VALDOMIRO, receitado pelo 2º Ten SEBEN, em tese, foi o causador do glaucoma secundário agudo, tendo em vista o não acompanhamento médico por parte da FSR (Fl. 47);
m) face ao exposto, há, em tese, indícios de crime militar, por parte do 2º Ten SEBEN, tendo em vista que o receituário médico destinado ao Sd EV VALDOMIRO não possuía orientações relativas ao lapso temporal que deveria ter sido utilizado o colírio "Maxitrol" (Fls 22 e 47)."
A
partir do acima descrito, constata-se que houve equívoco da Junta de
Inspeção de Saúde que examinou o autor, pois não analisou a inaptidão
física do mesmo para o desenvolvimento de atividades militares e futuras da vida civil.
Assim, merece prosperar o pedido do autor, tendo em vista ser inválido, não está mais capacitado para o serviço militar e está extremamente limitado para o labor civil. Nesse caso, o Estatuto dos Militares possibilita a reforma da militar
com a remuneração com base no soldo correspondente ao grau hierárquico
imediatamente superior ao que esse detinha quando na ativa, tendo em
vista se enquadrar o relatado nos autos o que estabelece a Lei nº
6.880/80 em seus -
Art. 109. O militar da ativa julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes dos itens I, II, III, IV e V do artigo anterior será reformado com qualquer tempo de serviço.
Art. 110. O militar
da ativa julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes
dos itens I e II do artigo 108 será reformado com remuneração calculada
com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao que
possuir na ativa.
§ 1º Aplica-se o disposto neste artigo aos casos previstos nos itens III, IV e V do artigo 108, quando, verificada a incapacidade definitiva, for o militar considerado inválido, isto é, impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho.
Cabível, também, o pagamento dos soldos desde o ilegal licenciamento do autor.
No
que se refere aos juros moratórios, entendo que o art. 1º-F da Lei
9.494/97, acrescido pela MP 2.180/01, é norma especial em relação ao
art. 406 do CC, pois rege os juros de mora nas condenações impostas à
Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a
servidores e empregados públicos, a qual, contudo, somente aplico às
demandas ajuizadas após à sua vigência, na esteira de precedentes do
STJ -
PROCESSUAL CIVIL. JUROS MORATÓRIOS. AÇÃO AJUIZADA APÓS À EDIÇÃO DA MP Nº 2.180/01. FIXAÇÃO NO PATAMAR DE 6% AO ANO.
1.
O art. 1º-F, da Lei 9.494/97, que fixa os juros moratórios nas ações
ajuizadas contra a Fazenda Pública no patamar de 6%, é de ser aplicado
tão somente às demandas ajuizadas após a sua entrada em vigor.
Inaplicabilidade do art. 406 do Código Civil de 2002 (Código Moreira
Alves). Precedentes.
2.
Constitucionalidade do art. art. 1º-F, da Lei 9.494/97 declarada pelo
Supremo Tribunal Federal. Ressalva do ponto de vista da relatora.
3. Recurso especial provido.
- REsp 877096/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, DJU 09/4/2007, p. 295.
ADMINISTRATIVO.
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR
PÚBLICO FEDERAL. RESÍDUO DE 3,17%. JUROS DE MORA. LEI Nº 9.494/97, ART.
1º-F. INAPLICABILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO.
1.
As disposições contidas na MP 2.180-35/01 somente se aplicam às ações
ajuizadas posteriormente à sua vigência, por terem natureza de norma
instrumental, com reflexos na esfera jurídico-material das partes.
2. Agravo regimental improvido.
- AgRg no REsp 978825/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Quinta Turma, DJU 10/12/2007, p. 440.
No
caso dos autos, tendo em vista que a data da publicação da MP 2.180-35
é 27/08/01 e a data do ajuizamento da ação é 16/4/07, aplicável os
juros de mora no montante de 6% ao ano, a contar da citação,
ressaltando-se que a nova redação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 dada
pela Lei nº 11.960/09, aplico apenas para as ações ajuizadas a partir
de sua vigência.
A indenização a título de dano moral entendo também devida.
A reintegração militar concedida, por si só, alcança o dano material sofrido e é passível de cumulação com a indenização a título de dano moral.
Não visa, por óbvio, suprir o trauma, dor e tristeza vivenciados pelo
autor, que por sua vez, independem de comprovação específica, sendo que
decorrem automaticamente da própria doença e de seu afastamento da
caserna exatamente por causa da moléstia adquirida enquanto estava de
serviço. Provado assim o fato, impõe-se a condenação, sob pena de
violação ao art. 334 do Código de Processo Civil.
Gizo que no processo em tela a responsabilidade civil é objetiva porque o dano decorre de uma ação provocada por agente público durante a prestação do serviço militar.
Sendo
assim, comprovados os pressupostos da responsabilização objetiva,
consubstanciados na conduta lesiva praticada por agente público, bem
como o nexo causal entre os atos do agente e o trauma ocorrido, é
indubitável o dever de ressarcir o dano moral, que não é excluído pela inexistência de previsão expressa no Estatuto dos Militares. Colaciono precedente desta Corte neste norte, mutatis mutandis:
ADMINISTRATIVO E CIVIL. SERVIDOR MILITAR. AMPUTAÇÃO TRAUMÁTICA PARCIAL DE DEDO DA MÃO, EM RAZÃO DE ACIDENTE OCORRIDO NO EXÉRCITO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.
APLICAÇÃO DO ART. 37, § 6º, DA CF. POSSIBILIDADE. CULPA CONCORRENTE DA
VÍTIMA. REDUÇÃO À METADE DO VALOR INDENIZATÓRIO. JUROS DE MORA.
REDUÇÃO. DESCABIMENTO.
1. O Estado tem responsabilidade pela saúde e integridade do militar enquanto estiver à sua disposição, tendo o servidor militar o direito de retornar à vida civil nas mesmas condições de saúde de que gozava quando ingressou nas Forças Armadas.
2. Sofrendo o militar
perda de parte de um dos dedos da mão direita, causada por acidente
ocorrido no Exército, tem a União o dever de indenizá-lo pelo dano moral/estético.
A dor e o sentimento de mutilação, ainda que no caso tenha ocorrido a
amputação de apenas parte de um dedo, não necessitam de demonstração.
3. A existência de lei específica que rege a atividade militar (Lei nº 6.880/80) não isenta a responsabilidade do Estado, prevista no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, pelos danos morais causados a servidor militar em decorrência de acidente sofrido durante a prestação do serviço do Exército.
4.(...)
(TRF4, APELREEX 2006.71.09.001253-2, Terceira Turma, Relator Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 22/4/10) Destaquei
Estabelecidas
as premissas necessárias para a contextualização da controvérsia posta
em julgamento, passo a aferir o valor da indenização pelo dano moral, cujo arbitramento é ato complexo para o julgador que deve sopesar, dentre outras variantes, a extensão do dano,
a condição sócio-econômica dos envolvidos, a razoabilidade, a
proporcionalidade, a repercussão entre terceiros, o caráter
pedagógico/punitivo da indenização e a impossibilidade de se constituir
em fonte de enriquecimento indevido.
Ademais,
os fundamentos do dever de indenizar e do de reintegrar/reformar são
distintos. O primeiro busca reparar prejuízos sofridos em esferas
diversas, que não a material, enquanto o segundo, destina-se a
compensar a perda ou redução da capacidade laboral.
Sendo assim, entendo que a indenização pelo dano moral, arbitrada no montante de R$ 100.000,00 é suficiente para bem reparar os danos sofridos, além de não acarretar o vedado enriquecimento sem causa. Afastada a indenização por dano estético, em vista da recomposição pecuniária que ora é feita.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça corrobora o entendimento esposado. Vejamos:
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. VALOR DA INDENIZAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. VEDAÇÃO. SÚMULA N. 7/STJ.
(...)
2. O valor da indenização sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, sendo certo que, na sua fixação, recomendável que o arbitramento seja
feito com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível
socioeconômico dos autores e, ainda, ao porte econômico dos réus,
orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela
jurisprudência com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do
bom senso e atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada
caso.
3. In casu, o quantum fixado pelo Tribunal a quo a título de reparação de danos morais mostra-se razoável, limitando-se à compensação do sofrimento advindo do evento danoso.
4. Agravo regimental improvido.
(AgRg no Ag 884.139/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Quarta Turma, DJ 11/02/08, p. 1) Destaquei
Modificada
a solução da lide, fica a parte autora vencedora na quase totalidade do
pedido, devendo a parte ré arcar com os honorários advocatícios que
arbitro em 10% do valor da condenação, conforme art. 20 do CPC, de
acordo com o entendimento desta Corte.
Quanto
ao prequestionamento, não há necessidade do julgador mencionar os
dispositivos legais e constitucionais em que fundamenta sua decisão,
tampouco os citados pelas partes, pois o enfrentamento da matéria
através do julgamento feito pelo Tribunal justifica o conhecimento de
eventual recurso pelos Tribunais Superiores (STJ, EREsp nº 155.621-SP,
Corte Especial, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de
13-09-99).
Ante o exposto, voto
por dar parcial provimento à apelação da parte autora para reintegrar o
autor no grau hierárquico acima ao que se encontrava na ativa e
conceder indenização por dano moral e negar provimento à apelação da União e à remessa oficial, nos termos da fundamentação.
Des. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA
Relatora
Fonte: Jurisprudência Tribunal Regional da 4ª Região
Esta decisão contribui sobremaneira para meus estudos sobre o instituto da reforma dos militares. Certamente será mencionada na nova edição do nosso livro.
ResponderExcluirObrigado.
Jorge Abreu
http://www.direito-administrativo-militar.blogspot.com/
Bom dia, gostaria de tirar uma duvida referente ao assunto abordado meu irmao, e da fab e fax parte da classe de sgt temporarios, recentemente descobriu que esta perdendo a visao dos dois olhos, antes de descobrir esta perda visao, ele realizou todos exames de admiçao na fab ate mesmo os oftalmológicos acuidade visual , campo visual, fundo de olho preçao ocular, entre outros, so que recentemente começou sentir dores fortes na cabeça em cima dos olhos e percebe que a perda de visao, fez os exames em clinica particular e foi notado perca de visao 5 porcento em um olho e 3 porcento no outro so que o medico disse que poderia ser glaucoma, so que nao a mudança preçao nem pra menos nem pra mais nos dois olhos, a minha dúvida serua como ele e 3s temporário e. Nao foi notafo nem uma restriçao na hora da admiçao com sgt ele teria direito a reserva , e ressaltou que ele e militar faz 7 anos 1 ano como s2 3 anos como s1 e 2 anos como sgt temporario so restando 1 ano para sua baixa, e nao foi notado nada nos exames de saude que ele realizou durante este tempo, compensaria ele entra com uma açao para tentar entra para reserva militar?
ResponderExcluirAguardo sua resposta.
Prezado Senhor,
ExcluirEm atenção a sua mensagem, informo que certas doenças graves e incapacitantes tem previsão legal para garantir não só a reforma/aposentadoria, como também Auxílio-Invalidez e isenção tributária.
No caso, a perda parcial da visão ou a cegueira, devidamente comprovada como doença incapacitante e sem cura, mesmo sem ter relação com o serviço militar, e desde que não seja pré-existente à incorporação, é causa de Reforma Militar, não havendo, inclusive, discriminação de tratamento entre militares de carreira ou temporários.
O paciente, antes de mais nada, deve comprovar pela medicina as causas da enfermidade e o prognóstico da doença, a fim de se verificar se há ou poderá haver incapacitação, ou se há tratamento médico ou correção possível para o problema.
Somente após seja atestada por médicos a real situação do paciente, é que se poderá então verificar a possibilidade de incidência de alguma norma legal em seu benefício.
Atenciosamente,
Maurício Michaelsen