TRF4 confirma sentença que anulou licenciamento de Oficial Temporária dispensada por limite de idade

APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5007435-11.2012.404.7100/RS
RELATOR
:
LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
APELANTE
:
UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
APELADO
:
RAFAELA LEONARDI DAMIN
ADVOGADO
:
MAURÍCIO MICHAELSEN

RELATÓRIO


Trata-se de ação ordinária visando à anulação do ato administrativo que negou a prorrogação de tempo de serviço e a licenciou das fileiras do Exército, com fundamento na limitação de idade, prevista no art. 161, da Portaria Administrativa nº 251-DGP. Narrou que é oficial do Exército, exercendo a função de assistente social no Hospital Militar de Porto Alegre/RS, e que seria licenciada das fileiras do Exército, em 27 de fevereiro de 2012, porque lhe teria sido negada a prorrogação de tempo de serviço, tendo como único motivo o implemento de idade. Disse que a negativa se funda no artigo 161, II, da Portaria nº 251/DGP, por estar a requerente próxima a atingir a idade limite de 43 anos. Afirmou que a aplicação da norma fere o princípio da razoabilidade, bem como afronta o princípio da ampla acessibilidade aos cargos públicos. Alegou que o limite de idade para negativa de reengajamento deveria estar previsto em lei, e não em ato normativo infralegal, nos termos do artigo 142, § 3º, X, da Constituição.

Angularizada a demanda e estabelecidos os pontos controvertidos da causa, sobreveio o julgamento da lide, oportunidade em que, após deferir a provisional, o pedido foi julgado procedente para anular o ato administrativo que indeferiu o seu pleito de prorrogação de tempo de serviço com base no óbice previsto no art. 161, II, da Portaria nº 251-DGP, de 11 de novembro de 2009, não podendo sua permanência exceder, de qualquer sorte, ao prazo máximo de tempo de serviço temporário permitido. Condenou a União ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em R$1.000,00.

Em suas razões de apelação, a União asseverou que a parte autora ostenta a condição de militar temporário, cuja permanência não só está limitada no tempo, mas condicionada ao interesse da Administração Militar na prorrogação do tempo de serviço. Subsidiariamente, pleiteou pela minoração da verba honorária e o prequestionamento da matéria aduzida para fins recursais.

Com as contrarrazões, vieram os autos.

É o relatório.



VOTO
Inicialmente, cumpre observar-se que em face da nova redação do art. 475 do CPC, imprimida pela Lei 10.352, publicada no D.O.U de 27-12-2001 (e em vigor três meses após), o duplo grau obrigatório a que estão sujeitas as sentenças proferidas contra a União, o Estado e o Município e autarquias federais somente não terá lugar quando se puder, de pronto, apurar que a condenação ou a controvérsia jurídica for de valor inferior a 60 (sessenta) salários mínimos. Assim, não conheço da remessa oficial.

No âmbito deste Tribunal há o entendimento de que qualquer limitação de idade, em processo seletivo público, deve ser estabelecida em lei em sentido estrito, não podendo ser admitida a sua substituição por ato normativo de outra natureza, por se tratar de uma restrição de acesso a cargo público.

Nesse sentido:

ADMINISTRATIVO. MILITAR. EXAME DE ADMISSÃO DO CURSO DE FORMAÇÃO DE SARGENTOS DA AERONÁUTICA. TRATAMENTO NORMATIVO DISCRIMINATÓRIO. LIMITAÇÃO DE IDADE. PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. PREQUESTIONAMENTO. 1. 'A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou-se no sentido de que a norma constitucional que proíbe tratamento normativo discriminatório, em razão da idade, para efeito de ingresso no serviço público (CF, art. 39, §2º, c/c art. 7º, XXX) não se reveste de caráter absoluto, sendo legítima, em conseqüência, a estipulação de exigência de ordem etária quando esta decorrer da natureza e do conteúdo ocupacional do cargo a ser provido'. No entanto, 'em relação ao ingresso na carreira militar, como é o caso dos autos, a Constituição Federal exige que lei disponha a respeito do limite de idade para ingresso nas Forças Armadas (CF/88, art. 142, §3º, X), não se admitindo, portanto, que um ato administrativo estabeleça a restrição, sob pena de afronta ao princípio constitucional da ampla acessibilidade aos cargos públicos' (TRF4, AC n. 2006.71.01.001800-7, rel. Juiz Roger Raupp Rios, Terceira Turma, D.E. 08.08.2007). 2. Apelo e remessa oficial desprovidos. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 2006.71.12.008134-4, 4ª Turma, Des. Federal VALDEMAR CAPELETTI, POR UNANIMIDADE, D.E. 10/06/2008)

ADMINISTRATIVO. MILITAR. CONCURSO PÚBLICO. INSCRIÇÃO. LIMITE DE IDADE ULTRAPASSADO EM POUCOS MESES. TUTELA ANTECIPADA. Estando presentes os requisitos legais exigidos, garantido está ao autor/candidato o direito de participar do Concurso de Admissão aos Cursos de Formação de Oficiais Aviadores e de Infantaria da Aeronáutica, sem o impeço do limite máximo de idade, já que tal exigência encontra-se emanada em Portaria, e não através do comando de Lei em obediência ao princípio da reserva legal garantida na Carta Magna. (TRF4, APELREEX 2008.71.12.001879-5, Quarta Turma, Relator Sérgio Renato Tejada Garcia, D.E. 23/11/2009)

ADMINISTRATIVO. MILITAR. EXAME DE ADMISSÃO AO CURSO DE FORMAÇÃO DE TAIFEIROS DA AERONÁUTICA. REQUISITO ETÁRIO. DISPENSA. Embora no art. 142, § 3º, X, da CR/88 haja referência a limites de idade em função das peculiaridades das atividades militares, as disposições ali contidas dependem de lei para sua concretização; portanto, somente lei em sentido formal e editada pela autoridade competente poderá ditar limites para ingresso nas forças armadas e seus respectivos concursos; na ausência de tal legislação, não pode ser fixado limite por portaria, edital ou outros regulamentos. (TRF4, AG 2007.04.00.007416-6, Quarta Turma, Relator Valdemar Capeletti, D.E. 18/06/2007)

No mesmo sentido se orienta a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. FORÇAS ARMADAS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. LIMITAÇÃO DE IDADE. PREVISÃO. REGULAMENTO. LEI EM SENTIDO FORMAL. INEXISTÊNCIA.
1. O acórdão recorrido analisou devidamente a questão posta em juízo, fundamentando satisfatoriamente seu entendimento, razão pela qual ausente violação ao art. 535, II, do Código de Processo Civil.
2. A jurisprudência deste Tribunal é assente no sentido de que a restrição etária em concurso público para as Forças Armadas apenas se revela plausível quando, além de estar revestida de razoabilidade, esteja expressamente prevista em lei em sentido formal.
3. O estabelecimento de limite etário, para participação em concurso público, em regulamento ou edital, carece de validade, pois é imprescindível a sua previsão em lei em sentido formal.
4. Recurso especial improvido.
(REsp 1067538/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 21/05/2009, DJe 03/08/2009)

A referência genérica em lei a requisitos estabelecidos em regulamento não constitui autorização para o estabelecimento, pela Administração, de toda e qualquer restrição de acesso a cargo público, haja vista a jurisprudência pacífica no sentido de que isso deve ser previsto em lei específica.

Não se está, no presente julgado, afirmando a impossibilidade de que seja fixado limite de idade, desde que tal exigência esteja compatibilizada com a natureza das atribuições a serem desempenhadas. Ocorre que, por se tratar de limitação de acesso a cargo público, tal exigência, além de atender aos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, deve estar expressamente prevista em lei específica.
Observe-se que o art. 142, § 3º, X, da CF dispõe expressamente que a lei disporá a respeito do ingresso nas Forças Armadas, inclusive limite de idade.

A questão foi bem resolvida, pelo julgador monocrático, motivo pelo qual adoto sua fundamentação como razão de decidir (evento 19):

Insurge-se a parte autora contra ato administrativo que lhe nega a prorrogação do tempo de serviço militar temporário, em virtude do critério contido na Portaria nº 251-DGP, de 11 de novembro de 2009. O indigitado critério vem assim disposto:

Art. 161. Não será concedida prorrogação aos militares temporários:
I - oriundos do EIPOT das Armas, do QMB e do Serviço de Intendência que atingirem 34
(trinta e quatro) anos de idade;
II - oriundos do EIS, do EICEM ou do EST que atingirem 43 (quarenta e três) anos de idade (grifo);
III - oriundos do EBST que atingirem 39 (trinta e nove) anos de idade; e
IV - que não preencherem todas as condições exigidas.
Parágrafo único. A idade considerada não poderá ser atingida durante o período da respectiva prorrogação.

No caso em apreço há que se reconhecer que o critério da limitação de idade adotada padece de ilegalidade. Com efeito, a Constituição, em seu artigo 142, caput, parágrafos 1º a 3º e inciso X, determina que a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas e os limites de idade. Trata-se de hipótese na qual incide o princípio da reserva legal em sentido estrito, estabelecendo que a regulamentação da matéria seja feita, necessariamente, através de lei formal e material, entendida como ato normativo emanado do Congresso Nacional e elaborada de acordo com o devido processo legislativo constitucional.

Assim, em razão da especificidade da carreira militar, a jurisprudência tem admitido que se fixem limites de idade para o ingresso nas Forças Armadas, desde que estes limites venham previstos em legislação específica e se justifiquem pelas peculiaridades do cargo. A Lei nº 6.880/80, no art. 98, fixa limite de idade para que o militar passe para a reserva remunerada. Nota-se, neste aspecto, que para os cargos de idêntica patente da autora o limite máximo vem aumentando, a ponto de que a atual redação do artigo em referência aponta para 56 anos.

Ainda no que se refere ao ingresso nas Forças Armadas, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já se mostrava uníssona no sentido de que a imposição de limites de idade deveria ser requisito assentado em lei, não sendo admissível a fixação do requisito etário apenas em Edital, tampouco em regulamento, que não tem força de lei formal (cf. AI 589906 AgR/DF, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI; RE 559823 AgR/DF, Relator Min. JOAQUIM BARBOSA). A Corte apenas examinava o tema da razoabilidade da restrição por idade se tal condicionante estiver fundado em lei (cf. RE 573552 AgR/SC, Relator Min. EROS GRAU). Cabe aqui lembrar que o Plenário do Supremo Tribunal Federal ratificou a posição pela necessidade de lei a fixar o limite de idade para ingresso nas Forças Armadas - reconhecendo a incompatibilidade parcial do disposto no art. 10 da Lei nº 6.880/80 com a Constituição -, porém com efeitos prospectivos, chancelando, de outro lado, os regulamentos e editais que prevejam tais limites até 31 de dezembro do corrente ano. Com efeito, de acordo com o Informativo 633 do STF, assim restou ementado o acórdão:

RE N. 600.885-RS
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NAS FORÇAS ARMADAS: CRITÉRIO DE LIMITE DE IDADE FIXADO EM EDITAL. REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. SUBSTITUIÇÃO DE PARADIGMA. ART. 10 DA LEI N. 6.880/1980. ART. 142, § 3º, INCISO X, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DECLARAÇÃO DE NÃO-RECEPÇÃO DA NORMA COM MODULAÇÃO DE EFEITOS. DESPROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. Repercussão geral da matéria constitucional reconhecida no Recurso Extraordinário n. 572.499: perda de seu objeto; substituição pelo Recurso Extraordinário n. 600.885. 2. O art. 142, § 3º, inciso X, da Constituição da República, é expresso ao atribuir exclusivamente à lei a definição dos requisitos para o ingresso nas Forças Armadas. 3. A Constituição brasileira determina, expressamente, os requisitos para o ingresso nas Forças Armadas, previstos em lei: referência constitucional taxativa ao critério de idade. Descabimento de regulamentação por outra espécie normativa, ainda que por delegação legal. 4. Não foi recepcionada pela Constituição da República de 1988 a expressão 'nos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica' do art. 10 da Lei n. 6.880/1980. 5. O princípio da segurança jurídica impõe que, mais de vinte e dois anos de vigência da Constituição, nos quais dezenas de concursos foram realizados se observando aquela regra legal, modulem-se os efeitos da não-recepção: manutenção da validade dos limites de idade fixados em editais e regulamentos fundados no art. 10 da Lei n. 6.880/1980 até 31 de dezembro de 2011. 6. Recurso extraordinário desprovido, com modulação de seus efeitos (grifo).

Há que ser destacado que, embora o Supremo Tribunal Federal tenha mantido a validade dos limites de idade fixados em editais e regulamentos fundados no art. 10 da Lei nº 6.880/80 até 31/12/2011, ressalvou, contudo, a hipótese daqueles candidatos que tivessem ingressado em juízo, tanto que no mencionado processo (RE nº 600.885) o recurso extraordinário interposto pela União restou desprovido. Assim, uma vez ressalvado o direito daqueles que haviam ingressado em juízo, não há porque deixar de aplicar o mesmo entendimento para aqueles ingressam em juízo questionando matéria idêntica.

No que diz respeito ao serviço militar temporário exercido pelos Médicos, Farmacêutico, Dentistas e Veterinários, a Lei nº 5.292, de 08/06/1967, que dispõe sobre o serviço militar temporário, prevê apenas limitação temporal às prorrogações, estabelecendo que o prazo total, contínuo ou interrompido, não poderá atingir 10 (dez) anos (art. 41), competindo aos Ministérios Militares estabelecer as condições e prazos das prorrogações (parágrafo único do aludido dispositivo). Não fora isso, os art. 24 e 27 do Decreto nº 4.502, de 09/12/2002 (com redação dada pelo Decreto nº 6.790/2009), que aprova o Regulamento para o Corpo de Oficiais da Reserva do Exército, limita as prorrogações sucessivas do oficial temporário a oito anos de serviço, podendo o último período ser 'inferior a doze meses, para não ultrapassar o tempo máximo de permanência no serviço ativo' (parágrafo único do art. 27). Nota-se, desta forma, ao que demonstram os documentos acostados à inicial, que a única razão da não prorrogação do tempo de serviço da autora seria o indigitado limite de idade de 43 anos, pois não teria atingido o tempo máximo de permanência no Exército previsto no decreto antes referido. Assim, não haveria incompatibilidade na pretendida prorrogação de tempo de serviço da autora por mais 12 meses, independente de completar 43 anos, desde que não ultrapasse o prazo máximo de oito anos de permanência no serviço militar.

Vê-se, portanto, que não há qualquer indício de que a fixação de limite de idade para a prorrogação do tempo de serviço do oficial temporário esteja prevista em lei, afrontando o princípio da reserva legal, em face da determinação inserta no art. 142, § 3°, X, da Constituição. Não fora isso, no caso da autora, não se verifica como o pressuposto etário influencie no desempenho da atividade exercida, qual seja, de assistente social do Exército.

No que tange aos honorários advocatícios observo que foram fixados em montante inferior ao entendimento da Turma para ações dessa matéria.

Ao final, quanto a eventual prequestionamento relativamente à discussão de matéria constitucional e/ou negativa de vigência de lei federal, os próprios fundamentos desta decisão e a análise da legislação pertinente à espécie, são suficientes para aventar a questão. Saliento que o prequestionamento se dá nesta fase processual com intuito de evitar embargos declaratórios, que, advirto, interpostos com tal fim, serão considerados procrastinatórios e sujeitarão o embargante à multa, na forma do previsto no art. 538 do CPC.

Ante o exposto, voto por não conhecer da remessa oficial e negar provimento à apelação.

Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle
Relator

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