Ministério Público não é Juiz

MP ao lado do juiz viola equidistância das partes

A Constituição do Brasil, em seu artigo 5º, caput e incisos LIV e LV, estabelece a igualdade das partes no curso do devido processo legal. Em 2009, após longo processo legislativo, com amplo debate popular e a participação institucional da Defensoria Pública, das Advocacias Pública e Privado, do Judiciário, do Ministério Público, o Legislativo, promulgando a Lei Complementar 132/09, positivou o óbvio constitucional no parágrafo 7º do artigo 4º, da Lei Complementar 80/94. Em suma, conferiu à Defensoria Pública assento no mesmo plano do Ministério Público durante as audiências.
Trata-se da sedimentação da igualdade das partes, como dito, princípio constitucional que se expressa de forma qualificada no âmbito do processo penal, entre os órgãos estatais de acusação e defesa, cada um na atuação de suas típicas funções institucionais (autor da ação penal e defesa dos hipossuficientes).
As audiências, os atos de instrução, julgamento e peticionamento frente ao Judiciário consistem em momentos processuais em que os atores Essenciais à Função Jurisdicional do Estado se fazem presentes na vida dos cidadãos, para a construção dos conteúdos das leis, sob o controle próximo das partes.
Nesse contexto, que dizer de um acusador que se senta ao lado do Judiciário, em posição diferenciada, de topográfica superioridade em relação à defesa? Com que simbologia a jurisdição, composta por suas Funções Essenciais, se apresenta aos cidadãos jurisdicionados?
Diz-se que o fato de o Ministério Público eventualmente deixar de oferecer uma denúncia lhe daria a faceta de autoridade imparcial. Falácia para quem vive o fórum criminal (de cadeira)! Ao órgão de Estado que defende, leia-se Defensoria, e aos próprios Advogados impõe-se, também, a fiscalização da lei e sua aplicação, com lealdade processual, comprometidos que estão com o não-ajuizamento e o não-patrocínio de causas infundadas. A mesma previsão legislativa de arquivamento de lides e teses infundadas, inerente à independência funcional de ambos os órgãos, e comunicação a órgãos de revisão (à ex. LC 75/93, artigo 63, IV, e LC 80/94, artigo 44, XII) aplica-se, em similitude, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, em franca atividade estatal de preservação da legalidade. Então, Lei Complementar por Lei Complementar, ambas as instituições são “imparciais” na medida em que, além dos interesses que defendem, impõe-se-lhes o limite de ajuizar ação e defender dentro dos preceitos legais. Ao fim e ao cabo, com vaidades institucionais à parte, o fiscal da lei e seus conteúdos vem a ser o cidadão, já que a cidadania, em ambiente jurídico-democrático, não pode ser delegada a corpos de eleitos ou concursados.
À Comissão de Prerrogativas da Defensoria Pública da União parece que a “tradicional/costumeira” composição das salas de audiências, em que a privilegiada acusação se senta ao lado do membro do Judiciário, representa ao cidadão a visão de uma balança, símbolo totêmico da justiça, desequilibrada, cujos pratos figurativos da eqüidistância se encontram um próximo à cabeça da deusa Têmis, outro demasiadamente afastado, literalmente em patamar rebaixado, tudo a denunciar evidente descompasso da situação com a igualdade entre as partes, como manda a Constituição. Em outras palavras, um a cochichar nos ouvidos da deusa; outro a clamar, de longe, a mesma atenção.
A perplexidade em torno da situação cresce quando se lembra – e nunca é demais lembrar – que, no Brasil, o cidadão tem por direito fundamental a ampla defesa (art. 5.º, LV, da CF), não a ampla acusação. E a questão é muito antiga, pois, desde Aristóteles, o polissêmico termo "justiça" denota, ao mesmo tempo, legalidade e igualdade, que se inicia no simbolismo da presentação ao imparcial julgador.
A Comissão de Prerrogativas da Defensoria Pública da União, longa manus do Defensor Público-Geral Federal, tem buscado junto às Corregedorias Regionais Federais e do Conselho da Justiça Federal a efetiva implementação da norma complementar, que nada mais faz do que pormenorizar, no plano simbólico, o que já consta da Constituição. Só com eqüidistância entre defesa e acusação, até mesmo quanto ao plano topográfico, os assistidos da DPU têm assegurados a isonomia, o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal, como direitos fundamentais.
Com efeito, é oportuno registrar que o Egrégio Supremo Tribunal Federal, instado a se manifestar sobre o tema no RMS 21.884, Supremo Tribunal Federal, relator ministro Marco Aurélio, 2ª Turma, julgado em 17 de maio de 1994, determinou a equidistância entre acusação e defesa no Judiciário Militar com a vedação da presença do órgão acusador na bancada exclusiva do órgão julgador:
MANDADO DE SEGURANÇA — OBJETO — DIREITO SUBJETIVO — PRERROGATIVA DA MAGISTRATURA. Tem-no os integrantes da magistratura frente a ato que, em última analise, implique o afastamento de aspecto revelador da equidistancia, consideradas as partes do processo, como e o caso da cisão da bancada de julgamento, para dar lugar aquele que atue em nome do Estado-acusador. DEVIDO PROCESSO LEGAL — PARTES — MINISTÉRIO PÚBLICO E DEFESA — PARIDADE DE ARMAS. Acusação e defesa devem estar em igualdade de condições, não sendo agasalhável, constitucionalmente, interpretação de normas reveladoras da ordem jurídica que desague em tratamento preferencial. A e inerente ao devido processo legal (ADA PELLEGRINI GRINOVER). JUSTIÇA MILITAR — CONSELHO DE JUSTIÇA — BANCADA — COMPOSIÇÃO — CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR — ESTATUTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. A Lei Complementar n. 75/93, reveladora do Estatuto do Ministério Público, não derrogou os artigos 400 e 401 do Código de Processo Penal Militar no que dispõem sobre a unicidade, nos Conselhos de Justiça, da bancada julgadora e reserva de lugares próprios e equivalentes a acusação e a defesa. Abandono da interpretação gramatical e linear da alínea do inciso I do artigo 18 da Lei Complementar n. 75/93, quanto a prerrogativa do membro Ministério Público da União de sentar-se no mesmo plano e imediatamente a direita dos juízes singulares ou presidentes de órgãos judiciários. Empréstimo de sentido compatível com os contornos do devido processo legal.
Nada disso, sublinhe-se, implica menosprezo ao órgão de acusação. Nas palavras do eminente ministro Marco Aurélio, “O que contém na alínea “a” do inciso I do artigo 18 da Lei Complementar 75/93 não pode ser potencializado a ponto de mesclar juízes e partes. (…) O enfoque chega as raias do ridículo, não fazendo justiça ao papel reservado, constitucionalmente, ao Ministério Público”.
Logo, ao tempo em que rende reconhecimento aos atores processuais e exercentes de Função Essencial à Jurisdição (defensores públicos, advogados públicos, advogados privados e membros do Ministério Público), incluídos os juízes federais (Justiça Federal, Trabalhista e Eleitoral), que, em maioria, têm dado ampla eficácia aos preceitos constitucionais da igualdade, do contraditório e do devido processo legal, (artigos 5.º, caput, LIV e LV, da CRFB, e 4º, parágrafo 7º, da LC 80/94), a Defensoria Pública-Geral da União, a bem de seus assistidos e por meio da Comissão de Prerrogativas, convida a comunidade jurídica à reflexão sobre a indispensável eqüidistância das partes nos atos processuais, garantindo-se ao máximo a paridade de armas e a igualdade presencial nas salas de audiência e julgamento, sobretudo, no campo processual penal, entre os que acusam e os que defendem.

Fonte: http://www.conjur.com.br/2011-mar-17/ministerio-publico-lado-juiz-viola-equidistancia-partes


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