TRF4 confirma sentença que condenou a União a indenizar militar por erro médico

A 3.ª Turma do TRF da 4ª Região negou provimento à apelação de sentença que condenou a União Federal ao pagamento de danos morais a militar acometido de neoplasia maligna que não foi diagnosticada por médico do Hospital Militar de Área de Porto Alegre e nem informada ao paciente.

Consta dos autos que o ex-militar sofreu cirurgia no Hospital Militar de Porto Alegre para, inicialmente, a retirada de uma hérnia epigástrica (abdômen), quando o médico cirurgião verificou tratar-se de um tumor e que enviou o material retirado para biópsia.

Todavia, não obstante o achado médico, o paciente nunca foi informado da existência do tumor que foi retirado na suposta cirurgia de hérnia.

Também nunca foi informado que o material retirado havia sido encaminhado para biópsia em clínica civil, cujo laudo também não retornou ao Hospital Militar e nem houve qualquer diligência do médico em solicitar o resultado do exame ou informar o paciente.

Passados anos desde a cirurgia, e tendo o militar já sido licenciado, ocorreu a recidiva do tumor, no mesmo local da primeira cirurgia (abdômen).

O ex-militar então buscou atendimento na Santa Casa de Porto Alegre, cujos médicos diagnosticaram a existência de um extenso e agressivo Sarcoma (neoplasia maligna).

O ex-militar então foi obrigado a submeter-se a vários tratamentos e cirurgias que, todavia, já não tinham mais o condão de assegurar a sua vida devido ao estado avançado da doença, tornando-se inclusive inválido.

Assim, o ex-militar, tendo tardiamente descoberto ser portador de neoplasia maligna, e face as circunstâncias em que poderia ter obtido muito antes o conhecimento, o acompanhamento médico e o tratamento adequado, que lhe foi sonegado pela desídia do médico militar, ingressou com ação indenizatória contra a União.

O juiz da primeira instância entendeu que houve responsabilidade do Estado e, portanto, tem a União o dever de indenizar, pois ficou comprovado que o dano moral causado ao militar adveio da desídia médica já na cirurgia realizada no HMAPA.

A sentença de primeiro grau assim decidiu: 

"Nesta linha de raciocínio, pode-se afirmar que a responsabilidade por indenização de danos morais, seja ela subjetiva ou objetiva pressupõe a comprovação de dano moral, ou seja, a efetiva comprovação de abalo moral relevante sofrido pela vítima. Cabe ao juiz, guiando-se pelo princípio da razoabilidade, analisar se houve dano grave e relevante que justifique a indenização buscada.


Para a configuração do dano moral, no caso, é dispensada a prova do prejuízo, tendo em vista a certeza da angústia e aflição do autor ao verificar que, passados dez anos da cirurgia de hérnia epigástrica, encontra-se acometido de doença de tamanha gravidade que já o incapacitou de forma total e permanente ao exercício de atividade laborativa, restando-lhe apenas tratamentos a fim de minorar seu sofrimento e dar-lhe maior sobrevida.

A Perícia realizada no feito confirmou a possibilidade de que a patologia identificada em 1998 já se tratasse do sarcoma diagnosticado em 2008. Esclareceu, ainda, que é dever do cirurgião informar sobre o resultado do exame anatomopatológico, o que não ocorreu no caso dos autos - situação corroborada pela União em contestação, ao afirmar que o resultado, tanto do procedimento cirúrgico, quanto do exame do material retirado, não impunham aos médicos qualquer advertência ao autor (evento 6, CONT1, fl. 07).

Não fora isso, a Perita foi categórica ao afirmar que, tratando-se de um tumor, o paciente deveria ter recebido acompanhamento médico após a sua retirada (evento 32, LAU1, fl. 05), bem como que, se tal tratamento tivesse sido alcançado ao autor, as suas chances de identificar e combater com mais eficácia a neoplasia melhorariam (evento 32, LAU1, fl. 06).

Por fim, a Perita esclareceu que a ressecção ampla ou radical de sarcomas tem um índice de recidiva da doença de até 30%, levando a crer que se fosse dispensada atenção adequada ao quadro apresentado pelo autor em 1998, enquanto militar das Forças Armadas, teria maiores chances de livrar-se da doença.

De tudo quanto foi exposto, entendo que houve desídia da Administração no trato da saúde do autor, porquanto o quadro apresentado por ele em 1998, tratado pela Perita do Juízo com grande preocupação, não foi melhor observado e acompanhado pela área médica do Exército, o que poderia ter feito muita diferença no processo de luta contra a doença, com possibilidades de cura.

Assim, tenho que merece procedência o pedido de condenação da União ao pagamento de indenização por danos morais.

Quantum indenizatório

A fixação do quantum indenizatório dos danos extrapatrimoniais é matéria das mais árduas, em face da subjetividade na valoração da ofensa, sendo comumente utilizado o arbitramento como forma de quantificação do valor da indenização. Nesse sentido, para a individualização do valor indenizatório, são consideradas normalmente as circunstâncias do caso concreto, levando em conta a situação pessoal do agente e do ofendido, o meio em que vivem, consequências sociais advindas do fato, além, naturalmente, da intensidade da lesão psíquica suportada.

Ainda, a indenização deve ser fixada em quantia que, de um lado, não se torne irrisória, de modo a não serem atingidos os efeitos punitivo e pedagógico do dano moral, e, de outro, que se evite o enriquecimento indevido de uma parte em detrimento da outra.

No caso presente, sopesando a gravidade da lesão, o adiantado da doença que acomete o autor, bem como todas as angústias, dores e sofrimentos decorrentes do tratamento do câncer e das limitações impostas por ele, entendo que o valor de R$60.000,00 se mostra razoável.

Creio que o valor acima é suficiente para imprimir caráter punitivo e pedagógico à União, que tem grande superioridade econômica frente ao autor, de modo que o arbitramento de valor inferior seria irrisório para os fins a que se destina esse tipo de indenização."

Lamentavelmente, logo após a sentença, o ex-militar acabou falecendo, e a ação prosseguiu agora em nome do Espólio (familiares).

Em recurso, a União Federal afirmou que: "Ao contrário do que se sustenta, a responsabilidade no caso dos autos não se assenta na norma inserta no art. 37, §6º, da CF. Não se trata de imputação através do risco, como está previsto nesse dispositivo, mas de imputação através da culpa (responsabilidade subjetiva). .4 Assim, é pressuposto de qualquer condenação ao pagamento de indenização por danos morais a prova da culpa do agente nos atos que causam o gravame, o que, no caso dos autos, não existe. Assentada tal premissa, o que se percebe é que não há nenhuma comprovação de culpa do ora réu, o que, aliás, é o esperado."

No julgamento da Apelação, o relator, Desembargador Federal Fernando Quadros da Silva, afirmou em seu voto o seguinte:

"Os danos morais no caso concreto me parecem incontestáveis e foram bem caracterizados pela sentença recorrida, da lavra da juíza federal Marciane Bonzanini, que com propriedade descortinou a situação de angústia vivenciada pelo falecido autor, o qual teria maiores chances de cura caso os médicos envolvidos no seu tratamento tivessem mantido-o sob observação clínica depois da realização da cirurgia em meados de 1998, fato que não ocorreu. A prova pericial destacou que, tratando-se de um tumor, deveria o paciente ter sido submetido a acompanhamento regular após a sua retirada. Como esse acompanhamento não foi feito, as chances de cura restaram reduzidas, quiçá ceifadas. Pelo que se depreende das afirmações da perita, havia bom prognóstico de o demandante livrar-se da doença - nesse sentido, ela informou que o índice de recidiva da doença é de até 30%, o que significa dizer que a cura podia ter sido alcançada.


Também ficou comprovada nos autos a tese de que o problema de saúde identificado na época do procedimento cirúrgico já se tratava do sarcoma que, diagnosticado dez anos depois, vitimou o autor durante o presente processo. Pelo que se apurou na instrução, o demandante não foi informado do resultado do exame anatomopatológico, o que era de rigor por parte dos médicos.

Estes fatos revelam que ao demandante não foi dispensado tratamento de saúde eficiente, sendo viável nesse caso a condenação da União em danos morais. A esse respeito, trago à colação precedente deste tribunal:

MILITAR. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. TRATAMENTO MÉDICO INADEQUADO. ARBITRAMENTO DA INDENIZAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
Tratamento tardio propiciado ao autor, por conduta omissiva do hospital, que contribuiu para com o agravamento das seqüelas decorrentes de acidente, segundo a conclusão do laudo pericial. Fato suficiente para caracterizar a ocorrência de culpa, a ensejar o pagamento de indenização pelo dano sofrido. Indenização por danos morais diminuída, considerando-se casos semelhantes já apreciados por este Tribunal.
Correção monetária: aplicação do princípio tempus regit actum, relegando-se à fase de execução de sentença a definição exata dos percentuais a serem considerados. Honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o montante da condenação. (5015960-50.2010.404.7100, 4ª Turma, Rel. Juiz Federal Eduardo Gomes Philippsen, juntado aos autos em 14/07/2016)"




A 3ª Turma do TRF4 votou por unanimidade em manter a sentença, vencida a UNIÃO.



O advogado MAURÍCIO MICHAELSEN defende os interesses da parte autora, antes do ex-militar, e agora de seus familiares.

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