Justiça Federal anula punição disciplinar por irregularidade no procedimento administrativo
"(nome preservado), por procurador habilitado, ingressou com a presente ação ordinária em face da UNIÃO, através da qual tenciona obter provimento jurisdicional que imponha a anulação da punição disciplinar que lhe foi aplicada , determinando a exclusão de qualquer anotação em seus assentamentos militares, bem como em sua ficha disciplinar e individual.
Sobreveio sentença que julgou o pedido procedente para anular a punição disciplinar aplicada ao autor, determinando exclusão de qualquer anotação nos assentamentos militares, bem como em sua ficha disciplinar e individual, relativa à penalidade em referência, imposta através do Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar - FATD n. 041/2015, de 27 de fevereiro de 2015. Condenou a ré ao pagamento de honorários advocatícios em favor dos patronos do autor, os quais arbitro em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), o que faço com fundamento no art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil. Custas ex lege. Considerado o valor da causa, deixou de determinar o reexame necessário.
União apelou. Alega que ao militar foram assegurados o direito ao contraditório e à ampla defesa, nesse incluído o direito de produzir provas, enfim, o procedimento transcorreu de acordo com os princípios constitucionais e o art. 35 do Decreto-lei 4.346/2002 (RDER7), e o julgamento feito com imparcialidade, de modo que não procedem os argumentos do autor. Pede a reforma da sentença e a inversão dos ônus da sucumbência.
Sem contrarrazões, vieram os autos.
É o relatório.
VOTO
A sentença foi proferida com os seguintes fundamentos:
"Na oportunidade do exame do pedido liminar, manifestei-me no tocante à questão de fundo no seguinte sentido:
'Trata-se de ação ordinária por meio da qual alega o autor não ter incorrido em qualquer transgressão militar, de modo que se revelou injusta a penalidade de 3 (três) dias de detenção que lhe foi imposta pela Administração Militar.
Alega, em síntese, que não foi observada a disposição constante do Regulamento Disciplinar do Exército - RDE, que impõe à autoridade militar a classificação da penalidade aplicada na nota de punição.
Debruçando-se sobre os documentos colacionados aos autos, vejo que a insurgência do autor, neste ponto, merece guarida.
Através de Formulário de Apuração de Transgressão Militar n. 041, de 27 de fevereiro de 2015, foi imputando ao autor o abandono do Posto de Rádio, bem como ausência do expediente com saída da Guarnição sem a respectiva autorização do Comandante de Companhia domilitar (evento 1, OUT7, fl. 5).
Instado, em 3 de março de 2015, o autor apresentou defesa, esclarecendo os fatos noticiados (evento 1, OUT7, fls. 7-8).
Por sua vez, em 25 de março do ano em curso, o Comandante Cia. C/Ap/23º BI, Capitão Marcos Vianna Cardozo Júnior acolheu, em parte, as razões apresentadas pelo militar, aplicando-lhe punição disciplinar com 3 (três) dias de detenção, com a lavratura da respectiva nota de punição (evento 1, OUT7, fls. 3-4, 6).
No que pertine ao caso dos autos, o Regulamento Disciplinar do Exército - RDE, prescreve:
Art. 34. A aplicação da punição disciplinar compreende:
I - elaboração de nota de punição, de acordo com o modelo do Anexo II;
II - publicação no boletim interno da OM, exceto no caso de advertência; e
III - registro na ficha disciplinar individual.
§ 1º A nota de punição deve conter:
I - a descrição sumária, clara e precisa dos fatos;
II - as circunstâncias que configuram a transgressão, relacionando-as às prescritas neste Regulamento; e
III - o enquadramento que caracteriza a transgressão, acrescida de outros detalhes relacionados com o comportamento do transgressor, para as praças, e com o cumprimento da punição disciplinar.
§ 2º No enquadramento, serão mencionados:
I - a descrição clara e precisa do fato, bem como o número da relação do Anexo I no qual este se enquadra;
II - a referência aos artigos, parágrafos, incisos, alíneas e números das leis, regulamentos, convenções, normas ou ordens que forem contrariados ou contra os quais tenha havido omissão, no caso de transgressões a outras normas do ordenamento jurídico;
III - os artigos, incisos e alíneas das circunstâncias atenuantes ou agravantes, ou causas de exclusão ou de justificação;
IV - a classificação da transgressão;
V - a punição disciplinar imposta;
VI - o local para o cumprimento da punição disciplinar, se for o caso;
VII - a classificação do comportamento militar em que o punido permanecer ou ingressar;
VIII - as datas do início e do término do cumprimento da punição disciplinar; e
IX - a determinação para posterior cumprimento, se o punido estiver baixado, afastado do serviço ou à disposição de outras autoridades.
No caso em apreço, conquanto tenha a autoridade militar feito referência à natureza da transgressão na decisão que aplicou a penalidade ao autor, classificando-a como grave, da nota de punição não constou tal referência, o que torna, de fato, ilegal o ato detenção em face da inobservância da formalidade (evento 1, OUT7, fl. 2).
Como é cediço, ao Poder Judiciário é vedado o exame do mérito do ato administrativo que aplica punição disciplinar a militar, cuja formalidade, porém, está sujeita a controle jurisdicional de possíveis vícios de legalidade.
A legalidade, in casu, não se limita apenas ao exame das formalidades do processo administrativo disciplinar, mas também se o ato administrativo aplicou corretamente a legislação aplicável ao ato que se pretende desconstituir.
No caso sob julgamento, observa-se que a punição administrativa não observou o devido processo legal, impondo-se, por conseguinte, o seu afastamento.'
Ainda que as instituições militares tenham for fundamento os princípios da ordem, da disciplina e da hierarquia, a imposição de penalidades ao militar não pode prescindir das garantias relativas ao contraditório e à ampla defesa, sob pena no de instalar-se também o arbítrio.
É certo, também, que as prerrogativas inerentes aos poderes disciplinar e discricionário escapam da apreciação judicial, estando o controle pelo Poder Judiciário limitado à observância das formalidades legais.
Nesse sentido, leciona Helly Lopes Meirelles (in Direito Administrativo Brasileiro, 33ª ed., 2007, São Paulo, Malheiros, p.698) que é permitido é ao Poder Judiciário examinar o processo examinar para verificar se a sanção imposta é legítima e se a apuração da infração atendeu ao devido procedimento legal. Essa verificação importa em conhecer os motivos da punição e saber se foram atendidas as formalidades procedimentais essenciais, notadamente a oportunidade de defesa ao acusado e a contenção da comissão processante e da autoridade julgadora nos limites de sua competência funcional, isto sem tolher o discricionarismo da Administração quanto à escolha da pena aplicável dentre as consignadas na lei ou regulamento do serviço, a graduação quantitativa da sanção e a conveniência ou oportunidade de sua imposição. O que se nega ao Judiciário é o poder de substituir ou modificar penalidade disciplinar a pretexto de fazer justiça, pois, ou a punição é legal e deve ser confirmada, ou é ilegal e há que ser anulada; inadmissível é a substituição da discricionariedade legítima do administrador por arbítrio ilegítimo do juiz.
No caso em exame, constatei a existência de irregularidade no procedimento administrativo, o que determina, por conseguinte, a anulação da punição disciplinar deferida.
Sendo assim, ultimada a instrução processual, não foram trazidos aos autos quaisquer outros elementos que venham infirmar os fundamentos jurídicos que embasaram a decisão liminar, que deve, assim, ser mantida sem qualquer reparo."
O Apelante fez alegação genérica de que o procedimento transcorreu de acordo com os princípios constitucionais e o art. 35 do Decreto-lei 4.346/2002 (RDER7), e de que o julgamento foi feito com imparcialidade.
Todavia, não é o que se verifica, conforme bem anotado pelo julgador a quo. Adiro aos fundamentos da sentença.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Desª. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Fonte: TRF4
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