Militar receberá indenização por revista abusiva

Um militar da Aeronáutica obteve a condenação da União a lhe pagar indenização por ter sido submetido a vexame excessivo em ato de revista de armários.
O soldado teve a sua intimidade violada sob o pretexto de um possível 'flagrante' o qual de fato nunca existiu, pois os entorpecentes farejados por um cão da polícia civil em seu armário pessoal no alojamento do CINDACTA não foram encontrados.
Além disso, o autor foi exposto de maneira desnecessária e extravagante como alguém que é usuário de drogas ou traficante, a diversos membros da corporação, alguns de patente inferior a sua, o que dentro do regime castrense equivale a um rebaixamento.
A revista transbordou os limites da razoabilidade, transformando-se em um espetáculo, na qual todos que a acompanhavam aguardavam o desfecho pela prisão sua e de outro colega que também teve o armário apontado pelo cão. Em ambas as situações, entretanto, não foram encontradas drogas.
A revista só poderia ocorrer com a preservação da intimidade do autor, vale dizer, na sua presença e de outro militar, sem espetáculo. Nessas situações, existindo motivação plausível, a realização da revista deve ser pautada com respeito à pessoa sob suspeita. Note-se que até mesmo aos presos, a Constituição assegura a integridade física e moral.
A integridade moral do soldado foi violada, ao se sentir obrigado a expor-se na frente de uma câmera e de outros colegas, sem saber exatamente o que estava acontecendo. Em resumo, a conduta havida pelos militares que o revistaram foi constrangedora, afrontando sua dignidade.
A União foi condenada a reparar o autor no valor de R$10.000,00.

Integra da decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:



DECISÃO

Trata-se de ação ordinária proposta por L. F. A. contra a UNIÃO, objetivando a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais, em valor a ser arbitrado judicialmente, em virtude de revista realizada em seus pertences pessoais de maneira vexatória e constrangedora.

Processado o feito, sobreveio sentença cujo dispositivo restou assim ementado:

Ante o exposto, julgo procedente o pedido para condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais ao autor no valor de R$20.000,00 (vinte mil reais), com juros e atualização monetária nos termos da fundamentação.

Condeno a União à restituição das custas e ao pagamento de honorários os quais arbitro em 10% do valor da condenação.

Sentença sujeita ao reexame necessário.

A União sustenta que na situação descrita nos autos, afeta à realidade da Caserna, descabe indenização por danos morais. Aduz que a revista é ato corriqueiro, com a finalidade de verificar-se o asseio, a preservação dos bens e o correto desenvolvimento das atividades militares, não se configurando em dano moral ao militar. Requer seja afastada a indenização ou, subsidiariamente, seja reduzido oquantum indenizatório para o valor correspondente a quinze salários mínimos.

O autor, em apelo adesivo, postula a majoração do valor indenizatório para R$ 100.000,00 (cem mil reais), bem como que a verba honorária seja fixada em 20% do valor da causa.


Com contrarrazões, e por força da remessa oficial, vieram conclusos.

É o relatório. Decido.

Preliminarmente, cumpre referir que a legislação específica que rege os servidores militares, Lei nº 6.880/80, não prevê o pagamento de indenização a ex-servidor, mas tão-somente o direito à reforma nos casos de invalidez. Entretanto, conforme entendimento do Colendo STJ, é possível a responsabilização do Estado por danos morais sofridos por servidor em decorrência de acidente em serviço durante a atividade castrense, conforme segue:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MORAIS E MATERIAIS SOFRIDOS POR MILITAR. INCAPACIDADE PARCIAL. ACIDENTE EM SERVIÇO (SESSÃO DE TREINAMENTO). SUBMISSÃO A CONDIÇÕES DE RISCO DESARRAZOADAS, MESMO PARA O AMBIENTE MILITAR. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. Este Tribunal Superior possui jurisprudência firmada no sentido de que a existência de lei específica que rege a atividade militar (Lei nº 6.880/80) não isenta a responsabilidade civil do Estado por danos morais causados a esses agentes públicos em decorrência de acidente sofrido durante o serviço, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição Federal.
2. Com relação às lesões sofridas por militar em decorrência de acidente ocorrido durante sessão de treinamento, tais prejuízos somente gerarão direito à indenização por dano moral quando comprovado que ele foi submetido a condições de risco que ultrapassem àquelas consideradas razoáveis ao contexto ao qual se insere.
3. Caracterizada a responsabilidade civil do Estado por danos materiais e morais, chegar a conclusão diversa acerca do dano sofrido, da ação desarrazoada a que o militar foi obrigado a se submeter em seu treinamento, bem como da efetiva existência do nexo causal demandaria o reexame do acervo fático-probatório dos autos, o que é vedado na via especial, a teor da Súmula nº 7 do STJ.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 1160922/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 05/02/2013, DJe 15/02/2013)Grifei

O art. 37, §6º, da CRFB/88 diz que 'As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa'.

A Teoria Objetiva e também chamada de Teoria do Risco, porque parte da idéia de que a atuação estatal por si só envolve um risco de dano, inerente. É doutrinariamente subdividida em Risco Integral, como danos decorrentes de acidentes nucleares (art. 21, XXIII, d, da CRFB/88), e Risco Administrativo, a regra geral, que envolve a previsão de excludentes ou atenuantes da responsabilidade, conforme sejam ou não concorrentes com a atuação/omissão da Administração. São elas: culpa da vítima, culpa de terceiro ou a força maior.

Estabelecidas tais premissas, analiso o caso concreto.

O autor, militar da Aeronáutica, pretende o pagamento de indenização por danos morais decorrentes da revista em seus pertences pessoais realizada no alojamento do CINDACTA II.

Gizo que a revista, especialmente no âmbito militar, é medida justificada que, quando conduzida normalmente, sem excessos, não configura ato ilícito.

Todavia, no presente processo, restou comprovado que a situação fática desbordou do procedimento rotineiro, configurando efetivamente o dano moral.

Colaciono excerto da sentença prolatada pela eminente Juíza Federal Substituta, Dra. Tani Maria Wurster, que com maestria deslinda a celeuma, em fundamentação a que adiro:

"(...)

No caso dos autos, as provas produzidas revelam de maneira evidente que o autor teve a sua intimidade violada sob o pretexto de um possível 'flagrante' o qual de fato nunca existiu, pois os entorpecentes farejados por um cão da polícia civil em seu armário pessoal no alojamento do CINDACTA não foram encontrados.

Além disso, o autor foi exposto de maneira desnecessária e extravagante como alguém que é usuário de drogas ou traficante, a diversos membros da corporação, alguns de patente inferior a sua, o que dentro do regime castrense equivale a um rebaixamento.

Assistindo-se ao CD que contém as imagens do dia da revista, verifica-se que ela transbordou os limites da razoabilidade, transformando-se em um espetáculo, na qual todos que a acompanhavam aguardavam o desfecho pela prisão sua e de outro colega que também teve o armário apontado pelo cão. Em ambas as situações, entretanto, não foram encontradas drogas. A explicação dada pelo policial civil é a de que possivelmente alguém que usou drogas encostou sua mão na parte externa dos armários ou fumou próximo a ele.

Ora, se esse era um dos desfechos possíveis, a revista só poderia ocorrer com a preservação da intimidade do autor, vale dizer, na sua presença e de outro militar, sem espetáculo. Nessas situações, existindo motivação plausível, a realização da revista deve ser pautada com respeito à pessoa sob suspeita. Note-se que até mesmo aos presos, a Constituição assegura a integridade física e moral.

A integridade moral do autor foi violada, ao se sentir obrigado a expor-se na frente de uma câmera e de outros colegas, sem saber exatamente o que estava acontecendo. Em resumo, a conduta havida pelos militares que o revistaram foi constrangedora, afrontando sua dignidade. Há, pois, ato ilícito passível de indenização.

(...)" Destaquei

Ratificado, pois, o dever de indenizar da União.

Não há parâmetros legais definidos para a fixação de indenização decorrente de dano extrapatrimonial. Mesmo porque não se trata de reparação efetiva, mas de uma simples compensação, já que é imensurável monetariamente o abalo psicológico sofrido pelo lesado. Tal arbitramento é ato complexo para o julgador que deve sopesar, dentre outras variantes, a extensão do dano, a condição sócio-econômica dos envolvidos, a razoabilidade, a proporcionalidade, a repercussão entre terceiros, o caráter pedagógico/punitivo da indenização e a impossibilidade de se constituir em fonte de enriquecimento indevido.

Prevalece, assim, a regra do arbitramento judicial, de modo que reduzo o valor fixado na sentença recorrida, de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), para R$ 10.000,00 (dez mil reais), valor este que reputo mais proporcional à gravidade do dano.

Ressalvo que o valor fixado contempla o caráter compensatório da indenização. Não se trata de importância irrisória e nem de valor tão elevado a ponto de causar o enriquecimento sem causa do autor. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça apresenta-se neste norte:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. VALOR DA INDENIZAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. VEDAÇÃO.
SÚMULA N. 7/STJ.
(...)
2. O valor da indenização sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, sendo certo que, na sua fixação, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico dos autores e, ainda, ao porte econômico dos réus, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso e atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso.
3. In casu, o quantum fixado pelo Tribunal a quo a título de reparação de danos morais mostra-se razoável, limitando-se à compensação do sofrimento advindo do evento danoso.
4. Agravo regimental improvido.
(AgRg no Ag 884.139/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 18.12.2007, DJ 11.02.2008 p. 1) Grifei

Outrossim, não merece retoques a verba honorária, haja vista que foi fixada conforme os vetores postos no art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC, e o padrão da Terceira Turma para casos símiles.

Quanto ao prequestionamento, não há necessidade do julgador mencionar os dispositivos legais e constitucionais em que fundamenta sua decisão, tampouco os citados pelas partes, pois o enfrentamento da matéria através do julgamento feito pelo Tribunal justifica o conhecimento de eventual recurso pelos Tribunais Superiores (STJ, EREsp nº 155.621-SP, Corte Especial, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 13-09-99).

Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação da União e à remessa oficial para reduzir o valor da indenização pelo dano moral para R$ 10.000,00 (dez mil reais), mantidos os demais critérios constantes na sentença recorrida, prejudicado o apelo adesivo do autor.

Diligências legais.

Porto Alegre, 09 de abril de 2013.


Des. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA
Relator

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