TRF4 confirma sentença que condenou Exército a reformar e indenizar Sargento que contraiu HIV

Uma militar do Exército, que trabalhava no Hospital Militar de Área de Porto Alegre como Técnica em Enfermagem, realizando exames de rotina, descobriu que havia sido contaminada pelo vírus HIV no exercício de sua profissão.

Os exames da militar foram realizados por intermédio do laboratório do Hospital Militar, mas acabaram sendo violados e as informações da contaminação divulgadas ilicitamente no âmbito da Organização Militar.

Foi aberta sindicância pela Direção do Hospital, para apurar o 'vazamento' das informações que deveriam estar cobertas por sigilo, comprovando-se o ilícito.

Todavia, mesmo assim, a militar acabou também sendo licenciada do Exército, não recebendo amparo algum.

Ajuizada a ação de reforma e de indenização perante a 1ª Vara Federal de Porto Alegre, foi julgada procedente em 2014, condenando-se a UNIÃO a indenizar a autora em R$35.000,00 (valor a ser corrigido desde a época do fato), anular o licenciamento indevido e conceder a reforma com proventos de grau hierárquico superior.

A UNIÃO recorreu da decisão e sobreveio, em 15 de abril de 2015, o julgamento do recurso, decidindo a 3ª Turma do TRF da 4ª Região pela manutenção da sentença de procedência e pelo improvimento do recurso.

O Advogado Maurício Michaelsen defendeu os interesses da militar.

A decisão foi unânime e o voto de lavra do Relator Desembargador Fernando Quadros da Silva foi no seguinte sentido:

APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº xxxxxxx-19.2011.404.7100/RS
RELATOR
:
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
APELANTE
:
UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
APELADO
:
xxxxxxxxxxxx
ADVOGADO
:
MAURÍCIO MICHAELSEN























VOTO























A controvérsia a ser solvida cinge-se à (im) possibilidade de outorga de reintegração e reforma, à parte-autora, em razão de doença eclodida ao tempo da caserna, com a condenação aos proventos daí decorrentes, incluíndo indenização por danos morais.
A demandante incorporou ao Exército em 2004, tendo realizado exames regulares, sempre obtendo o resultado 'não reagente' para o vírus HIV. Durante a caserna, em 2009, exames clínicos resultaram 'reagentes' ao vírus, tendo sido diagnosticada HIV positivo. Requereu então, na via administrativa, já em fevereiro de 2010, sua reforma militar. Inobstante suas condições de saúde, fora licenciada do Exército em fevereiro de 2011, após parecer da junta médica que a considerou 'apta ao serviço'.
Consoante o Laudo Pericial (Evento 73, da origem), e Exames de Saúde apresentados, tenho que resta configurado um quadro que permite confirmar, com segurança, a ocorrência da contaminação durante o período de engajamento.
Não obstante, consigna a Expert:
' (...) Não há incapacidade alguma.
Não há como afirmar quando e onde ocorreu a contaminação. Mas pode-se afirmar que não foi relacionada ao trabalho de técnica de enfermagem do serviço de emergência'.
Deste quadro ressai que, ante a gravidade da enfermidade, deve ser deferida a imediata reforma militar, a teor da legislação de regência.
Senão vejamos.
A respeito da reforma militar, em casos de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - SIDA, estabelece a Lei 7.670/88:
Art. 1º A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - SIDA/AIDS fica considerada, para os efeitos legais, causa que justifica:
I - a concessão de:
(...)
c) reforma militar, na forma do disposto no art. 108, inciso V, da Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980; (Grifei)
De sua vez, dispõe a Lei 6.880/80:
Art . 106. A reforma ex officio será aplicada ao militar que:
(...)
II - for julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas;
(...)
Art. 108. A incapacidade definitiva pode sobrevir em conseqüência de:
(...)
V - tuberculose ativa, alienação mental, neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, mal de Parkinson, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave e outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da medicina especializada; e (Grifei)
Considerando-se que a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida é causa expressamente prevista pela legislação como apta a ensejar a reforma militar, nos termos do disposto no art. 108, inciso V, da Lei 6.880/80 c/c art. 1º, I, c, da Lei 7.670/88, tenho que deva ser acolhido o pleito inicial.
Despicienda ainda a questão suscitada, que procura distinguir o militar portador de HIV daquele com sintomas manifestos, estabelecendo 'graus de incapacidade'. Sobre o debate, registro o excerto:
'Ainda que a ré pretenda alegar que o autor estava apto porque assintomático, é inequívoco que a doença não tem cura e que no futuro apresentará sintomas, ficando o autor na dependência de cuidados e tratamento médico permanente'.
(AG 0028218-40.2010.404.0000, TRF4, 4ª Turma, Rel. Des. Fed. Jorge Antonio Maurique, DE 21-01-2011).
Ademais, o Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento no sentido de que o portador do vírus, ainda que assintomático, faz jus à reforma ex-officio, sendo considerado, para esse fim, incapaz definitivamente para o serviço militar.
Neste sentido, colaciono:
ADMINISTRATIVO. MILITAR. PORTADOR DO VÍRUS HIV. INCAPACIDADE DEFINITIVA. DIREITO À REFORMA. REMUNERAÇÃO CALCULADA COM BASE NO GRAU HIERARQUICAMENTE IMEDIATO.
1. O militar portador do vírus HIV tem o direito à reforma ex officio por incapacidade definitiva, com a remuneração calculada com base no posto hierarquicamente imediato, independentemente do grau de desenvolvimento da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida - AIDS.
Precedentes: REsp 1.246.235 Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 27.05.11; Ag 1.289.835/RS, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe de 28.04.10; REsp 1.172.441/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 13.04.10; Ag 1.077.165/RJ, Rel. Min. Nilson Naves, DJe de 26.03.10; AgRg no REsp 977.266/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 04.05.09; AgRg no Ag 1.203.508/RS, Rel. Min.Og Fernandes, DJe de 16.11.09; AgRg no Ag 1.161.145/RJ, Rel. Min. Felix Fisher, DJe de 14.12.09; AgRg no REsp 977.266/RJ, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe de 04.05.09; EREsp 670.744/RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJU de 21.05.07; AgRg no Ag 771.007/RJ, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJe de 05.05.08; AgRg no REsp 1026807/SC, Rel. Min. Jane Silva, DJe de 02.02.09; AgRg no Ag 915.540/PR, Rel. Min. Felix Fischer, DJe de 22.04.08; REsp 1.172.441/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 13.04.10.
2. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1187922/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/08/2011, DJe 16/08/2011)
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. MILITAR PORTADOR DO VÍRUS HIV. REFORMA. POSSIBILIDADE. ENUNCIADO Nº 83 DA SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
1. É firme o constructo jurisprudencial no entendimento de que o portador do vírus HIV, ainda que assintomático, é considerado incapaz definitivamente para o serviço militar, fazendo jus à reforma prevista em lei, conforme preceitua o artigo 1º, inciso I, alínea 'c', da Lei nº 7.670/1988.
2. 'Não se conhece do recurso especial, pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.' (Súmula do STJ, Enunciado nº 83).
3. Agravo regimental improvido.
(AgRg no Ag 1289835/RS, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/05/2010, DJe 04/06/2010)(Grifei)
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. MILITAR. VÍRUS HIV. INCAPACIDADE DEFINITIVA. REFORMA EX OFFICIO. PORTADOR ASSINTOMÁTICO. IRRELEVÂNCIA. REMUNERAÇÃO. SOLDO. GRAU HIERÁRQUICO IMEDIATO.
I - É incapaz definitivamente para o serviço ativo das Forças Armadas, para efeitos de reforma ex officio (art. 106, II, da Lei n. 6.880/80), o militar que é portador do vírus HIV, mesmo que assintomático, eis que definida no art. 1º, I, 'c', da Lei n. 7.670/88. Precedentes: AgRg no REsp 1026807/SC, 6ª Turma, Rel. Min. Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG), DJe de 2/2/2009 e AgRg no Ag 915.540/PR, 5ª Turma, de minha relatoria, DJe de 22/4/2008.
II - A reforma ex officio de militar, baseada nos arts. 106, II, 108, V, e 109, todos da Lei n. 6.880/80 e art. 1º, I, 'c', da Lei n. 7.670/88, não comporta discussão acerca do desenvolvimento da doença, mesmo que o portador seja assintomático, pois tal distinção não foi delineada pelo legislador.
(STJ, AGA 1161145, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, DJE: 14/12/2009)
Quanto ao valor dos proventos, esclareço que, tratando-se de invalidez para o trabalho, relacionada ao item V do art. 108 da Lei 6.880/80, devem ser calculados com base no grau hierárquico superior ao que o militar possuía na ativa, na forma do art. 110, § 1º, do mesmo diploma, que estabelece:
Art. 110. O militar da ativa ou da reserva remunerada, julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes dos incisos I e II do art. 108, será reformado com a remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao que possuir ou que possuía na ativa, respectivamente. (Redação dada pela Lei nº 7.580, de 1986)
§ 1º Aplica-se o disposto neste artigo aos casos previstos nos itens III, IV e V do artigo 108, quando, verificada a incapacidade definitiva, for o militar considerado inválido, isto é, impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho.
Sobre o tema, a jurisprudência:
ADMINISTRATIVO. MILITAR. REFORMA. LEI 7.670/88. DETERMINAÇÃO. SOLDO. GRAU HIERÁRQUICO SUPERIOR. DANO MORAL. NÃO-CONFIGURAÇÃO. ISENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. VIABILIDADE. AUXÍLIO-INVALIDEZ. CONCESSÃO. 1.Considerando-se que a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida é causa expressamente prevista pela legislação como apta a ensejar a reforma militar, nos termos do disposto no art. 108, inciso V, da Lei nº 6.880/80 c/c art. 1º, I, c, da Lei nº 7.670/88, deve ser acolhido o pleito inicial. 2. Independentemente de o enfermo ostentar a mera condição de portador, ou de apresentar sintomas manifestos da doença, tem-se que a natureza da moléstia que acomete o requerente (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - AIDS), com o é curial, exige constante tratamento, mesmo que ambulatorial, ainda mais por se tratar de uma doença de evolução progressiva, donde decorre a incapacidade definitiva para o serviço militar hábil a concessão da reforma. 3. A gravidade da moléstia que acomete o autor autoriza o deferimento do pedido com o pagamento dos proventos correspondentes ao soldo referente ao grau hierárquico superior ao ocupado na ativa. Precedentes. 4. Ausente o nexo objetivo direto da moléstia com a execução do serviço militar não resta configurada a hipótese de ato ilícito ensejador da compensação por dano extrapatrimonial. 5. Esta Corte entende cabível o direito da apelante à repetição do indébito, decorrente do imposto de renda recolhido indevidamente, a qual pode dar-se pela restituição via precatório ou pela compensação. 6. A natureza da moléstia que acomete o requerente (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - AIDS), com o é curial, exige constante tratamento, mesmo que ambulatorial, ainda mais por se tratar de uma doença de evolução progressiva, em que, na quase totalidade dos casos, ainda que na fase assintomática, há necessidade de cuidados permanentes de enfermagem ou de assistência médica, restando inafastável, por conseguinte, a prestação do auxílio-invalidez, a partir da vigência e eficácia deste novo Diploma Legal.
(APELREEX 5000133-29.2011.404.7111, TRF4, 3ª Turma, de minha relatoria, DE 16/05/2013)
ADMINISTRATIVO. MILITAR. INCAPACIDADE. REFORMA - PORTADOR DE HIV - POSSIBILIDADE. GRAU HIERÁRQUICO SUPERIOR. O militar que contraiu o vírus HIV durante a prestação do serviço militar tem direito à reforma ex officio por incapacidade definitiva, independentemente do grau de desenvolvimento da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida - AIDS. Deve ser assegurado ao demandante o direito de ser reformado com remuneração do grau hierárquico superior ao que ocupa.
(AC 5005574-67.2010.404.7000, TRF4, 4ª Turma, Relator p/ Acórdão Des. Federal Jorge Antonio Maurique, DE 18/07/2012)
Relativamente aos danos morais, me inclino a respaldar o édito.
A fim de caracterizar os requisitos para a concretização do dano moral, é necessária uma conjunção de circunstâncias, quais sejam: fato gerador, nexo causal e a ocorrência do dano.
Quanto a este último, doutrina e jurisprudência são uníssonos em inferir que é suficiente a prova do fato, não havendo necessidade de demonstração do sofrimento moral, dado o esforço hercúleo advindo de prova deste jaez, tendo em conta que o dano extrapatrimonial atinge bens incorpóreos - a imagem, a honra, a privacidade, etc.
Não obstante, malgrado a desnecessidade de comprovação do prejuízo, por evidente que meros dissabores do cotidiano, próprios do convívio social, não são hábeis à ensejar o abalo próprio a causar o dano moral, que ao revés exige exposição em nível capaz de causar ultraje que abale a psique, a imagem ou a honra do lesado, não se podendo considerar configurado em situação de exercício regular do direito.
In casu, é incontroverso que os graves danos à saúde da autora, advindos do período de Serviço, e sobretudo a desincorporação indevida, guardam nexo objetivo direto com a execução da atividade militar, de maneira a possibilitar o reconhecimento da responsabilidade objetiva da Administração, nos termos da Constituição de 1988.
Pois bem.
No presente caso, assim como a MM Magistrada, tenho como configurada a hipótese de ato ilícito ensejador da compensação por dano extrapatrimonial, como requerido.
Em relação ao valor da indenização arbitrado, considero que o montante deferido (R$ 35.000,00), atenta ao necessário e razoável para proporcionar a recomposição moral da ofendida em sua integralidade, cumprindo sua função compensatória, sem, contudo, implicar no seu enriquecimento indevido além, é claro, de objetivar a inibição de novas ocorrências deste tipo nas fileiras do Exército, em atendimento ao caráter punitivo e profilático da indenização.
Registro, contudo, e por oportuno, que é devida, segundo a jurisprudência, a compensação dos valores da reforma com aqueles alcançados administrativamente, por força do licenciamento (ora anulado). Caberá à execução do julgado auferir o montante, bem como os proventos do militar, uma vez que a reintegração se deu com o soldo do mesmo posto hierárquico, apenas. Ademais, também consigno que devem ser observados os descontos legais cabíveis, conforme a respeitável manifestação da União.
Daí porque deva ser apenas parcialmente provida a irresignação.
No que tange à verba sucumbencial, reputo que os valores arbitrados tiveram em observância a legislação de regência, bem como os precedentes desta Turma, em casos tais, do que não se podem considerar abusivos.
Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial.























Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator



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