A SINDICÂNCIA NO ÂMBITO DO EXÉRCITO COMO INSTRUMENTO DE APURAÇÃO DE TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR
A SINDICÂNCIA
no âmbito do Exército Brasileiro funciona como um PROCESSO ADMINISTRATIVO, e cujo instrumento, reunindo
características eminentemente processuais, tem por finalidade apurar, sempre
por determinação da autoridade militar competente, determinados atos ou fatos
que se relacionam com a ocorrência de uma possível irregularidade disciplinar
conhecida ou denunciada, sujeitando um ou mais indivíduos a um procedimento
regular, com garantias ao direito do contraditório e da ampla defesa, para, ao
final, poder se afirmar a verdade real dos fatos investigados e deduzir seus
possíveis reflexos na esfera de responsabilidade dos envolvidos, inclusive com sujeição
à imposição de sanção disciplinar militar prevista no Regulamento Disciplinar
do Exército.
A
sindicância no âmbito militar - ou sindicância disciplinar – é
o procedimento que cumpre o papel do processo disciplinar das outras instituições
públicas, reunindo, todavia, elementos inquisitoriais, processuais e executivos, e
cuja produção não só legitimará uma possível ação administrativa punitiva da
autoridade instauradora contra o sindicado, mas deverá vincular a motivação do
ato decisório ao que efetivamente foi apurado na sindicância.
A Portaria
do Comandante do Exército nº 202, de 26 de abril de 2000, que inicialmente criou
as IG 10-11 (Instruções Gerais para a elaboração de SINDICÂNCIAS no âmbito do
Exército Brasileiro) e que continha as regras processuais para a realização das
sindicâncias, recentemente foi revogada e substituída pela Portaria nº 793, de 28 de dezembro de 2011, que trouxe várias modificações
importantes.
O Boletim
do Exército nº 07/2012, de 17 de fevereiro de 2012, também publicou, logo em
seguida, ainda mais algumas alterações, com a edição da Portaria nº 107, de 13 de fevereiro de 2012.
As Instruções
Gerais para "Elaboração de Sindicância no Âmbito do Exército
Brasileiro", portanto, passando por alguns ajustes, ainda tiveram modificada
a própria nomenclatura: As IG
10-11 deixaram de existir para dar
lugar as EB10-IG-09.001,
cujas regras são de observância geral para a Força Terrestre, desde o início de
sua vigência, em 30 de janeiro de 2012.
No âmbito do Exército Brasileiro, apesar de não ser este o meio previsto pelo Regulamento Disciplinar do Exército (DECRETO Nº 4.346, DE 26 DE AGOSTO DE 2002) para a apuração das infrações disciplinares (já que o RDE prevê rito sumário, mediante o preenchimento de um formulário próprio e outras condições para o exercício da defesa), a SINDICÂNCIA acabou se tornando o principal instrumento para a apuração dos ilícitos administrativos militares, sendo garantido expressamente pela norma administrativa o direito do sindicado à ampla defesa, inclusive prevendo a faculdade do sindicado em interpor um advogado entre ele e a autoridade militar a que está subordinado.
Ademais,
como na prática vários comandantes militares, antes das alterações das
IG, já vinham mesmo dobrando os meios de apuração das transgressões disciplinares,
causando inclusive duplicidade de processos disciplinares sobre o mesmo fato,
em face justamente da dúvida causada pela existência de dois modelos de apuração
disciplinar (A SINDICÂNCIA regulada pelas IG-10-11 e o FATD (formulário
de apuração de transgressão disciplinar) previsto no RDE), o Comandante do
Exército então decidiu tornar obrigatória a utilização dos DOIS instrumentos
para a apuração das transgressões, e antes da imposição de qualquer punição,
uniformizando assim os procedimentos com a introdução das novas regras,
conforme restou disposto no artigo 37 das novas EB10-IG-09.001:
"Art. 37. Se por ocasião da solução da sindicância for verificada a existência de fato que em tese constitua transgressão disciplinar, antes da adoção de quaisquer medidas disciplinares, é obrigatória a apresentação do Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar (FATD) ao suposto transgressor, em conformidade com o previsto no Regulamento Disciplinar do Exército."
Além desta, algumas das novidades mais significativas no "processo (sindicância) disciplinar", que vieram a ser introduzidas com a edição das novas Instruções Gerais, são as seguintes:
"Art. 37. Se por ocasião da solução da sindicância for verificada a existência de fato que em tese constitua transgressão disciplinar, antes da adoção de quaisquer medidas disciplinares, é obrigatória a apresentação do Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar (FATD) ao suposto transgressor, em conformidade com o previsto no Regulamento Disciplinar do Exército."
Além desta, algumas das novidades mais significativas no "processo (sindicância) disciplinar", que vieram a ser introduzidas com a edição das novas Instruções Gerais, são as seguintes:
- Denúncias
apócrifas (sem identificação do autor), por si só, não autorizam a instauração
de sindicância. Tal providência
também visa uniformizar os diversos entendimentos que se tinha sobre a matéria,
bem como acabar com a 'boataria' e a perseguição sem justo motivo;
- A possibilidade
de ser dispensada a exigência da instauração de sindicância, quando o fato ou
objeto puder ser comprovado sumariamente mediante a apresentação de prova
documental idônea. Muita
atenção na aplicação desta regra: Aqui há um retorno ao antigo e superado
conceito da 'verdade sabida', autorizando a autoridade militar competente a
deixar de apurar um fato de sua competência, simplesmente porque este já
estaria "provado" mediante simples verificação de documentos tidos
como "idôneos", o que poderá ensejar causa de nulidade em razão da
negação do direito constitucional à ampla defesa;
- A criação de
um sistema nacional de numeração única das sindicâncias instauradas. O aumento de controle sobre as sindicâncias
instauradas deverá inibir também o "engavetamento";
- O prazo para
o término da sindicância passou de 20 para 30 dias, contudo
este deixou de ser um prazo definitivo, uma vez que poderá sofrer prorrogações
sucessivas, por até vinte dias corridos cada, "desde que amparado em
motivo de força maior, situação de complexidade ou de extrema dificuldade"
"a critério da autoridade nomeante". A possibilidade de ocorrer o surgimento de sindicâncias que se
arrastem indefinidamente sem solução parece bastante real com esta nova regra
dos prazos;
- O sindicante
agora poderá ser oficial, aspirante a oficial, subtenente ou sargento
aperfeiçoado, de maior precedência hierárquica que o sindicado. Ampliado que foi o rol de militares
competentes a desempenhar o cargo, os comandantes/chefes/diretores terão que
promover uma ampla instrução para os seus quadros, a fim de logo habilitar a
todos para o exercício da função;
- O não
atendimento das notificações pelo sindicado não importam o reconhecimento da
verdade dos fatos nem a renúncia a direito. A ampla defesa é garantia que se fortalece quando o procedimento
não se sobrepõe ao direito;
- O relatório
do sindicante, contendo o seu parecer conclusivo sobre a elucidação do
fato, deverá ser apresentado em quatro partes:
introdução, diligências realizadas, parte expositiva e parte conclusiva. O desenvolvimento das conclusões do sindicante
por meio do relatório se tornará ainda mais preciso, afastando incursões
sofismáticas sobre matérias não tratadas na sindicância, devendo favorecer
soluções mais adequadas por parte da autoridade instauradora.
A referida norma, que estabeleceu um rito processualístico para a condução da investigação disciplinar, possui características semelhantes ao direito processual penal, tais como: a denúncia formal (parte escrita); a instauração de procedimento formal mediante ato público (portaria); o indiciamento de pessoas (sob o rótulo de sindicado); a clara referência aos princípios da ampla defesa e do contraditório; a previsão expressa de oportunidades de defesa e a produção de provas; e, principalmente, a possibilidade do sindicado constituir defensor (advogado) que irá representá-lo durante todo o procedimento e possíveis recursos.
Não é surpreendente o
fato de que o procedimento de apuração das transgressões disciplinares assemelhe-se
ao modelo processual de apuração dos crimes. O Regulamento Disciplinar do Exército
(DECRETO Nº
4.346, DE 26 DE AGOSTO DE 2002) descreve um número certo de
condutas como sendo contrário ao ideal da instituição castrense, sujeitando à
punição todo militar que não puder ou quiser observar as específicas normas
disciplinares, imitando, assim, o tratamento que se dá ao crime, onde
determinado comportamento, por encontrar-se definido pela lei como sendo
antijurídico e ilícito, sujeita o seu autor a uma pena, igualmente prevista na
legislação.
Porém, não há que se
confundir a intenção punitiva das penas criminais com a das penas disciplinares,
pois que a finalidade destas será sempre educativa e disciplinadora, enquanto
que, naquelas, trata-se de uma resposta do Estado em prol da segurança pública.
De Michel Foucault,
trazemos a melhor compreensão sobre a natureza da punição disciplinar.
“Mas a disciplina traz
consigo uma maneira específica de punir, e que é apenas um modelo reduzido do
Tribunal. O que pertence à penalidade disciplinar é a inobservância, tudo o que
está inadequado à regra, tudo o que se afasta dela, os desvios. É passível de
pena o campo indefinido do não-conforme: o soldado comete uma “falta” cada vez
que não atinge o nível requerido; a “falta” do aluno é, assim como um delito
menor, uma inaptidão a cumprir suas tarefas”. (Michel Foucault)
Maurício Michaelsen
Advogado
Comentários
Postar um comentário